XIX
hoje reparei que cresciam ramos no telhado, entre manchas de ferrugem distingui ramos secos, afinal, molhados, frios. com um simples esticar do braço, um distraído mover de mão, conseguia pegar em qualquer um daqueles que ramos, que caiam, atingíveis.
sempre alta estivera aquela prateleira, disfarçada entre duas portas corrediças de contraplacado, inatingível. sentada no corredor de alcatifa grená, admirava aquela prateleira. um dia alguém a forrou de oleado florido, no futuro seriam precisos pionés, e noutro futuro acabaria por se rasgar, de vez, o oleado florido.
nas tardes de Inverno admirava aquela prateleira, alta, distante, impossível de escalar, mesmo com um velho banco de madeira encardida.
a alta prateleira guardava, religiosamente, uma lata de folha, cor creme, na qual, uns anos mais tarde, aprendi a ler: bolachas. para quê saber ler? sabia perfeitamente que lá guardavam-se as bolachas maria, torradas e tostadas. sabia perfeitamente que todas as tardes comia duas ou três ou quatro daquelas bolachas. ou até mesmo cinco ou seis.
hoje, que me adianta saber ler e escrever, procuro na mesma lata de folha, cor creme, as letras que posso usar.