o dia é longo e quente
as pernas ganham força
sigo o trilho que resta
entre um rio que não se acalma
um corte no joelho lembra-me
de que não se brincam com as pedras
se não te respeitares
respeita ao menos o que te rodeia
digo para mim
um último encher de ar
os pulmões cansados
olhar à volta
ter tudo a andar à volta
e o rio nos meus pés
e as pedras com quem não se brincam
Porto
a minha cidade de sempre:
o Porto é como um velho amante que se ama cada vez mais
mas já não se deseja, que finge dormir quando chega a noite
é uma espécie de manta de retalhos, muito mal costurada:
misturam-se casas degradadas, onde habitam fantasmas
com casas novas e perfeitas, onde se exibem cartazes de agentes imobiliários
aguçando os novos ricos para uma compra sem pensar
com casas repletas de engenheiros, mestres de obras e trolhas com poucos trocados no bolso e uma cerveja na mão
é um mapa:
onde marcamos a nossa adolescência
pelos cafés, ruas, becos e vielas
onde nos amamos, entre bancos de jardim e passeios mal lavados
e que se tornou numa tela em constante construção
é uma dor que se traz no peito
ora dói, ora não dói
num passado que não volta e um presente que não existe
ruas e ruas
repletas de ninguém
onde se contam os que passam sem ver as ruas
os que cantam esquecidos nas ruas escuras
os que pedem uma moedinha a quem não passa