«Escrever não é agradável. É um trabalho duro e sofre-se muito. Por momentos, sentimo-nos incapazes: a sensação de fracasso é enorme e isso significa que não há sentimento de satisfação ou de triunfo. Porém, o problema é pior se não escrever: sinto-me perdido. Se não escrever, sinto que a minha vida carece de sentido.»
de Paul Auster
"Saber que será má uma obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. […] O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou não me basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida."
de Bernardo Soares

terça-feira, 30 de março de 2021

se a noite é longa e fria
o dia é longo e quente

o silêncio reina na rotação

a voz torna-se rouca
as pernas ganham força

terça-feira, 16 de março de 2021

em loop


sigo o trilho que resta

entre um rio que não se acalma

um corte no joelho lembra-me

de que não se brincam com as pedras

se não te respeitares

respeita ao menos o que te rodeia

digo para mim

um último encher de ar

os pulmões cansados

olhar à volta

ter tudo a andar à volta

e o rio nos meus pés

e as pedras com quem não se brincam


quarta-feira, 3 de março de 2021


Porto

a minha cidade de sempre:
o Porto é como um velho amante que se ama cada vez mais
mas já não se deseja, que finge dormir quando chega a noite

é uma espécie de manta de retalhos, muito mal costurada:
misturam-se casas degradadas, onde habitam fantasmas
com casas novas e perfeitas, onde se exibem cartazes de agentes imobiliários
aguçando os novos ricos para uma compra sem pensar
com casas repletas de engenheiros, mestres de obras e trolhas com poucos trocados no bolso e uma cerveja na mão

é um mapa:
onde marcamos a nossa adolescência
pelos cafés, ruas, becos e vielas
onde nos amamos, entre bancos de jardim e passeios mal lavados
e que se tornou numa tela em constante construção

é uma dor que se traz no peito
ora dói, ora não dói
num passado que não volta e um presente que não existe

ruas e ruas
repletas de ninguém
onde se contam os que passam sem ver as ruas
os que cantam esquecidos nas ruas escuras
os que pedem uma moedinha a quem não passa