«Escrever não é agradável. É um trabalho duro e sofre-se muito. Por momentos, sentimo-nos incapazes: a sensação de fracasso é enorme e isso significa que não há sentimento de satisfação ou de triunfo. Porém, o problema é pior se não escrever: sinto-me perdido. Se não escrever, sinto que a minha vida carece de sentido.»
de Paul Auster
"Saber que será má uma obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. […] O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou não me basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida."
de Bernardo Soares

terça-feira, 21 de abril de 2009

Porto 2

Ruas íngremes, serpenteadas por estreitas vielas,
Povoadas de estranhos seres de dentes cariados.
Onde o odor a urina sobressai no familiar odor a mofo.
Paralelo gasto pelo passar dos anos
Infinitamente percorrido por varinas de socos,
Baptizado por água suja que corre em direcção ao rio.

Casas que ameaçam ruir
Com o peso dos anos que atravessaram
Albergando famílias inteiras de avós, pais e filhos.
Casas habitadas por uma população envelhecida,
Aguardando em ânsia pelo seu prometido,
El rei D. Sebastião.

O cinzento dos edifícios confundindo-se
Com a tristeza do céu.
O sofrimento do teu povo em comunhão
Com o vazio do futuro

Este Porto da minha alma,
Pintado pelo comum dos mortais
Como a mais triste cidade vista.
Habita dentro de mim avivando o meu triste existir,
Assistindo-me na minha ausência.

Porto, quem não te conhece
Jamais te poderá amar.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

"Nenhum homem é uma ILHA isolada; cada homem é uma partícula do CONTINENTE, uma parte da TERRA; se um TORRÃO é arrastado para o MAR, a EUROPA fica diminuída, como se fosse PROMONTÓRIO, como se fosse a casa dos teus AMIGOS ou a TUA PRÓPRIA; a MORTE de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do GÉNERO HUMANO. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti." John Dole

Em resposta ao meu amigo Jorge Pimenta, esta passagem que aqui transcrevo pode ser lida na primeira página de POR QUEM OS SINOS DOBRAM de ERNEST HEMINGWAY.
E posso confidenciar que foi esta pequena introdução (grande introdução) que me fez ler este livro, duas vezes.

Existir

Nesse vasto céu as nuvens correm
Ligeiramente vagarosas,
Ao encontro do ponto inexistente
Onde possam esvanecer,
Assomando inesperadamente.

Com os nossos pesados capotes,
Protegemo-nos dessa chuva.
Isolando um cansado corpo,
Do frio que não sente,
Do calor que não existe.

Num ciclo continuado,
De dia e noite,
De morte e vida,
Vamos passando com os nossos corpos robustos
Ilesos às leis desse Universo.
Poderosos perante a Física que rege o mundo.
Brilhando entre o comum do mais simples dos mortais.

Vivendo o disfarce da sobrevivência.
Ocultando a dor do pensamento.
Permanecendo com a dor da consciência,
Encontrando sofrimento na estranha vontade de SER.

Fausto 0,10

Ah Fausto.
Reconheço esse teu brilho no olhar
É idêntico ao que me é reflectido.
O sorriso que esboças nos teus encontros,
É o mesmo dos meus desencontros.

Reproduzo o teu riso irónico
No confronto com os meus mitos.
Traço os mesmos planos bélicos,
Para os confrontos a despoletar.

Ah Fausto.
Esse pesado casacão alberga
O pior de todos os inimigos:
NÓS!

Fausto 0,2

-O sofrimento regressa, e tu Fausto que tencionas fazer? Sim, o que tencionas fazer agora que a duvida continua a aparecer?
Diz-me Fausto, que pensas tu fazer?
-?
-Diz-me Fausto, que resposta vais tu encontrar, agora que o sofrimento chegou de vez e ameaça e vai tornar conta de ti. Assolar os teus pensamentos?
Fausto, diz me tu o que pensas fazer?
-A chuva regressa com essas dúvidas. O céu que outrora estava límpido cobre-se de um cinzento de chumbo. As estrelas apagaram-se com o receio de vislumbrar a morte.
E eu sinto-me vazio, sem este céu iluminado. Tremo, tremo de medo, deste céu de cinzento denso de nuvens.
-Não disfarces Fausto! Não tens o dom da palavra
-Mas tenho o dom da dúvida
-O pavor da resposta. Diz-me Fausto: O QUE É QUE TU VAIS FAZER?
-Ah ah ah ah ah ah ah ah ah!

domingo, 5 de abril de 2009

Encontrei-me numa cidade industrializada,
Abraçada por um emaranhado de auto-estradas,
Entradas e saídas apinhadas de automóveis topo de gama.
Nas ruas não reconheci o meu povo,
Procurei os jardins de outrora,
Para tristemente encontrar os muros de granito cinzento de hoje.

O que vi, não consegui reconhecer.
Aquilo que encontrei, não quis acreditar.

Numa insistência de persistência voltei a ti.
Minha cidade, meu povo,
Não te achei, pedido nessa tecnologia.
Minha cidade, minha infância,
Com dor me recordo daquilo que hoje me trouxe aqui

O meu ideal, o meu sonho.
O meu ser!

Envolvida numa engrenagem eterna,
Num movimento contínuo, que não pode cessar,
De um fim que não se pode justificar,
Na impossibilidade de um fim desejado.