«Escrever não é agradável. É um trabalho duro e sofre-se muito. Por momentos, sentimo-nos incapazes: a sensação de fracasso é enorme e isso significa que não há sentimento de satisfação ou de triunfo. Porém, o problema é pior se não escrever: sinto-me perdido. Se não escrever, sinto que a minha vida carece de sentido.»
de Paul Auster
"Saber que será má uma obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. […] O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou não me basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida."
de Bernardo Soares

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Poema do amor

Sim,
É este,
Que dói no peito,
Que corta a alma,
Estilhaça o corpo,
Solta as pedras.

Sim,
É este,
Que abraça no infinito,
Que beija no escuro.
Queima a pele,
Gela as águas.

Sim,
É este,
Que se escreve
Que não se diz.
Retalha, lentamente.

Estudo IV

Fim.
Ficará escrito,
Na esfera celeste,
O nome,
Dos lábios de gelo,
Que tombaram contra a terra.

quarta-feira, 28 de abril de 2010



Que nem uma luva!!

Estudo IV

(Meiozinho)
Afia bem,
A faca,
Meu amor,
O coração bate para ser trinchado.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Estudo IV

(Principiozinho)
Beijo-te,
Pequeno sapo,
A língua de feno.

Binóculos

Ilusão.
Desilusão.
Paixão.
Tesão.
Regam-se os lírios sob o olhar atento de Hermes.

Desejo.
Bocejo.
Olham-se as searas de trigo ao som de um monóculo.

(No vazio, não há som)!

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Breve

Só temos,
Um dia.
Para beijar o asfalto,
Lamber o sangue do cotovelo,
Afundar no sal.
Um dia,
Só temos.

domingo, 25 de abril de 2010

Vila do Conde

Veio no mar,
Cavalgando entre a espuma,
Montado no seu cinzento corcel.

Entre paredes de tempestade,
Fez ouvir o seu trompete,
(A doce balada).

Chegou na noite, só.
Cobriu de orvalho
Um corpo exausto.
Beijou sem fim
Os lábios em sangue.

Apareceu do mar,
E deixou o sal.
Partiu com a maré,
E levou as lágrimas.

Parábola

I
Caíam as laranjas,
Libertando o sabor amargo.
Mil borboletas morriam,
Nas doces gotas de orvalho.

II
Solta-se a faniqueira,
Da mão do petiz.
Esconde-se a aranha.
Foi por um triz.

III
Pintarei num quadro,
Com pó de giz,
O risco,
De tudo o que quis.

Meio por meio

Meio caminho.
De nada.
O vazio.

Relance para trás.
Mirar adiante.

Meio caminho.
De tudo.
O ruído.

Relance para trás.
Mirar adiante.

Meio caminho.
De ontem.
O amanhã.

Meio caminho de absolutamente nada.


Fotografia de Pedro Polónio, http://club-silencio.blogspot.com/

sábado, 24 de abril de 2010

Tentação

Surgem viagens loucas,
No regaço das estrelas.
Nos intervalos sujam-se as botas,
De pó de cometas.

À velocidade da luz,
Parece o mundo um borrão.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Precipitação

Sei bem,
O paralelo que piso,
Neste dias em sombra.
Conheço do cor,
As sarjetas que contorno,
Na solidão da noite.

Traça-se o risco,
Fuma-se o cigarro,

Sentados na calçada,
Solta-se o beijo,
No infinito.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Recorta-se o beijo,
Nas nuvens cinzentas.
Bate o coração,
Entre zombares de tempestade.

Sacia-se a fome
Do peito nu
Em vinhas de cor,
Enquanto se brinda ao amanhã!

Dragão vermelho

Dragão, dragão.
Cauda de cometa,
Escamas de estrela.
Voa no tempo.

Dragão, dragão.
Olho de chuva.
Olho de mar.
Corta o fundo.

Dragão, dragão.
Asa partida.
Leva-me.

Aplauso

Viva a merda!
Aquela que se prende na sola do sapato,
Arrasta-se pela calçada,
Libertando o seu cheiro nauseabundo,
Aloja-se nas falhas dos cascos,
Até secar,
Sempre a incomodar.

Quarto alugado

Uma tarde.
Uma noite.
Corpos jogados na teia do acaso.
Teu cheiro.
Minha boca.
No teu peito.

Caem os fios de algodão,
Arrastados no vento.
Corpo carregado na corrente.
Redondo.
Denso.

Eterno.


Fotografia de Pedro Polónio, http://club-silencio.blogspot.com/

(In)Evitável

Chovem mil dentes de leão,
Desfeitos em átomos visíveis,
Nenhuma chuva lava as mãos,
Enquanto o vento recorda o beijo.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Cansaço

Enchi as pedras com ar,
Para que ficassem suspensas.
Pintei mil cores nas gotas de chuva,
Que acabariam por manchar o solo.
Subi alto, raptando o vento.

Roubei relógios, criei calendários.
Estratégias mil.
Comandei os solos, prometi sementes.

Apanharam-me por fim,
As malhas invisíveis,
Do tal de Universo.

Saudade

Rasteja lentamente,
Entre os interstícios do espaço,
Aloja-se no peito dos desconhecidos,
Libertando o vil ácido,
Que corrói a mente.

Nem mil lanças te destroem,
Mil braços te sufocam.

Desliza verme, desliza verme.

domingo, 18 de abril de 2010

Longe

Fosse o medo aço,
Cravava-o no peito,
Fazendo erguer esguias torres,
Em pó.

Desejasse o vento desejo,
Amargo na boca,
Semeava-o nos ventres,
De betão.

Recuassem os tempos,
Mesmo que em fios de algodão,
Para me aninhar ao teu lado.

Fausto 0,13 (devaneios com…)

Vivam:

Todos os cigarros que bebi,
Todo o álcool que fumei,
Todas as noites que vivi,
Todos os dias que dormi,
Todas as sombras em que mergulhei,
Toda a luz que apaguei!

sábado, 17 de abril de 2010

Corte no papel

Hoje,
Nem palavra disse.
Bastou-me o murmúrio das nuvens,
No beijo da chuva.
Não se abriram os lábios,
Que o fio de sangue ainda escorre.

Quedos os braços, não há sonho agarrar.


Fotografia de Pedro Polónio, http://club-silencio.blogspot.com/

Boxeur

Sentei-me na sala do banco corrido. Conheço bem o odor a humidade que emana daquelas paredes. O silêncio que envolve e embala o medo. O suor escorre pela testa, por todo o corpo. O coração teima em bater, desalmadamente. Tiro tudo. Tudo me aperta e sufoca. Liberto a dor, dos ossos, dos músculos, da alma. Começo a ver o sangue, que não escorre, mas aparece à flor da pele. A raiva turva-me os olhos deixando as lágrimas cair. Tiro as ligaduras, que enrolo religiosamente. Sei que voltarei aqueles metros quadrados, para me enfrentar.

quinta-feira, 15 de abril de 2010


Vale a pena, nem que seja só esta pequena introdução!

Papoila

Morreu,
Uma papoila,
Num campo de batalha,
Sem ninguém que a visse,
Quando todos a ouviam.




Mario Cesariny

Ebulição

Rasgar,
Toda essa pele,
Expor as entranhas.

Perder,
O sangue fraco,
Nos paralelos da vida.

Deixar,
Todos os sonhos,
Afundados em medos.

Estalar,
Os ossos um a um,
Em murmúrios sem voz.

Rasgar,
Esse corpo, simples
Invólucro.




Salvador Dali

Acorda-me, estou a sonhar.

Encerra o teu peito,
Os mil mares do tempo.
Deixa-me ir à deriva,
Sem o vento no beijo,
A corrente no toque.
Descobrir a gruta,
Onde manténs o sal.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Autopsia

Silêncio ensurdecedor.
Rastejo o meu corpo pelo chão de mosaico,
De encontro à bancada.
Deito o corpo nu
Na mármore fria.

Afiam-se as facas,
Enquanto espero,
Que me retalhes,
Suavemente violento,
Me sorvas com a colher.

Deixa o sangue gotejar calmamente,
O odor circular no quadrado.
Não procures o coração,
Ele não está lá.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Na tarde (para o Pepe)

Deixa ficar,
Esses ínfimos fios de lã
Flutuando na atmosfera,
Para que os siga na noite fria,
E descubra a toca que habitas.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Gula

Tanto tempo à espera.
Que a cabeça está no limiar.
Um trago de absinto.
Suor.
Coragem para recuar.
Limites para avançar.
Tronco despido.
No auspício da subida.
Sangue.
Fervem as entranhas.
Travam-se os membros.
Mais um trago de absinto.

Deixa-me subir por essa escada em caracol,
Até aí,
Onde guardas os cubos de açúcar.

Centelha

Por fim caíram,
Os altos edifícios,
De granito cinzento.
Na sua queda,
O pó.

Amontoado de destroços,
Rugindo no silêncio.
A noite.
Aconchegados no nevoeiro,
Denso.

Figuras imóveis,
Nas estreitas esquinas.
Mão gelada sobre o ombro.
Tu!

Não ser.

Corpo nu.
Lançado nos dados.
Jogado nas cobertas.
Cansado.
Pintar.

Tela de branco.
Manchando a cor,
Dos dias salobros.
Navegando na corda do relógio.
Ser.

Dente de leão,
Dobrado ao vento.
Desfeito em mil pedaços.
Esvoaçando na esfera.

domingo, 11 de abril de 2010

Morgue

Enrolado numa espiral,
Em letargia.
O corpo.
Abandonado.

Mármore fria,
Compactuando.
Na inércia.
Do pútrido coração.

Boca semi-aberta,
Deixando escapar.
As traças.
De outrora.

A inesperada autopsia,
Do cadáver que vai vivendo.

Mental

(Suspiro)
Não sei se tudo parto.
(Raios)
Não sei se tudo curo.
(Suspiro)

Procuro a ferida sana,
Para nela enfiar o dedo,
E rasgar a pele até ao osso.
Deixar assim sair,
Os vermes que diluem os músculos,
E raspam os ossos.

Ah, não sei se tudo mato,
Ou se tudo me mata.

Estudo III

Salga-se o sonho,
Nas feridas do ser.
Enquanto arde o desejo
Estalando o cérebro em si.

Nem mil pássaros cantarão
A ode do meu querer
Entre um céu azul cobalto
Rendido a corpos nus.

Solta-se a água,
Entre os desertos do tempo,
Nas pausas ardem os cadáveres
De cheiro inócuo.

Sete ventos soprarão
As novas dos cantos do globo.
Os únicos enterram o todo.

Espetam-se os olhos,
Queimam-se as orelhas.
A voz, essa, já se perdeu.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Estudo II

Salta-se o coração,
Explode o sangue.
Cortam-se nervos,
Traçam-se os tendões.
Quebra-se o osso,
Morde-se o músculo.

Cozinha-se o cérebro em banho-maria.
E bebe-se o medo às colheres.

Não me podia importar menos.
(Engulo em seco).

Estudo I

Não me podia importar menos.
Mesmo quando ainda me fazes engolir em seco.
Secou-se o sangue. Estalou o desejo.
Ainda assim a sede mirrou.
Pintaste um se.
(Encontro).

Ainda me fazes engolir em seco.
Seca-se o sangue.
Estala o desejo.
Mirra a sede.
Pinta-se um se.
Descobre-se uma frincha.
(Desencontro).

sábado, 3 de abril de 2010

Exercício a descoberto

Nunca.
Aprendi.

Apenas uma.
Arrependi.

Poucas vezes.
Desisti.

Muitas vezes.
Desisti.

Imensas.
Caí.

Quase sempre.
Errei.

Sempre.
Fugi.

Slurp

Redondo.
Como o quadrado.
À espreita.
No frio.
De qualquer esquina.
Destemido.
Grão de pó.
Sequioso.
Por uma frincha.

Cadáver esquiço

Naquela tarde em cinzas,
Restava uma cama destituída,
Dos seres de outrora.
Um colchão disforme,
Oculto por um solitário lençol,
Sujo de dor.

Naquelas cinzas em tarde,
Pintaram-se as paredes de branco,
Cobrindo a mazela dos dias.
Um vento que irrompe,
Levantando areia dos tempos.
E depois, o desmoronar.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Tolos

Somos tolos!
Bebemos das gotas do orvalho,
O vinho de Baco.
Enquanto inalamos a vida,
Pelas narinas de Eros.

Somos, definitivamente tolos!
Afundamos raízes em solo fundo,
Erguendo os cabelos para o infinito.

Completamente tolos,
Enquanto os corpos nus,
Fingem que se tocam.
Tolos que se completam.