Não podes passar o dia todo aqui
sentada, dou comigo a falar comigo própria. Em silêncio, uma consciência que se
esbate com o passar das horas.
Tinha me esquecido de dar corda
ao relógio da sala, de correr as cortinas de pano grosso, de abrir as janelas,
de como se articulam os lábios, de mudar a água nas jarras, do lixo que se foi
acumulando, da entoação de uma pergunta, da afirmação de uma resposta, de como
se fala, falando simplesmente.
A decisão de ir à casa de banho,
procurar o meu reflexo num ínfimo espelho, arrumado algures no fundo do móvel.
Ainda reconheço as mãos, ainda que envelhecidas, enquanto limpo o pó acumulado
numa das faces do espelho.
Do lado de lá alguém prisioneiro,
conto as rugas: uma, duas, três, quatro. Cansaço. Identifico cada um dos sinais
escuros que começaram a crescer quando me fechei aqui.
Uma mancha escura cresce debaixo
da linha dos olhos e mistura-se com o tom de pele escurecida. Olheiras. Encontro
um cigarro meio fumado, mas não sei onde deixei o isqueiro.
Retorno à sala, com o cigarro
apagado apertado entre os lábios. Finjo que o fumo, consigo ver o fumo subir em
espirais pelo ar saturado que enche o espaço fechado da sala.
Talvez devesse ir ter com a minha
gente, procurá-los lá fora, mas desconheço a localização precisa da saída.
Ainda me ouço, sabes usar a tua
sombra que se alonga pelas paredes, para descobrir que estás, simplesmente à
espera: morta? E que sangue é este que me circula inconsequente?
Fotografia de Pedro Polónio, http://club-silencio.blogspot.com/
Fotografia de Pedro Polónio, http://club-silencio.blogspot.com/