O bicho
engulo em seco
ele continua lá, teimoso
insisto, mordo a língua
e o sangue escorre pela traqueia
as cócegas continuam
bebo água, uma mistura
de sangue e água salobra
escorre pelo canto da boca
pouso o copo baço na mesa da cozinha
ele abre as asas e afaga o meu interior
[tosse, tosse
raio de tosse que não me larga]
meto os dedos na boca,
faringe, esófago e laringe
nada
mas as cócegas continuam
o ar tem dificuldade em entrar, em sair, em permanecer
chegará a hora em que o verei,
finalmente:
numa qualquer lâmina de microscópio
cortarei o seu corpo anelar com o bisturi
sem espinha, sem esqueleto
«Escrever não é agradável. É um trabalho duro e sofre-se muito. Por momentos, sentimo-nos incapazes: a sensação de fracasso é enorme e isso significa que não há sentimento de satisfação ou de triunfo. Porém, o problema é pior se não escrever: sinto-me perdido. Se não escrever, sinto que a minha vida carece de sentido.»
de Paul Auster
"Saber que será má uma obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. […] O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou não me basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida."
de Bernardo Soares
Nem sei bem o que dizer, Laura... Bebo água, mas a garganta permanece seca... "as cócegas continuam"... Pelo menos, posso escrever!
ResponderEliminarParabéns!
Beijo.
por momentos fizeste-me viajar até ao universo "aliens" (e aos meus 16 anos), ainda que com sangue verde e sem cócegas :)
ResponderEliminarbeijinho!
fenomenal Laura!
ResponderEliminartalvez me ocorra dizer, são estas cócegas que tantas vezes nos fazem falar, existir, acontecer, escrever e continuar...
um bem-haja a alguns bichos :-)
Beijos