jorge pimenta [espigueiros do soajo - p.n. peneda-gerês]não deixes que este fevereiro
faça morada em ti.
para que queres o vento
se levanta a pele,
para que procuras o frio
se rebenta os músculos
ou a chuva
se lava os ossos?
[há tantos náufragos
sem madeira ou braços
com que gritar].
és apenas um banco de jardim,
onde o gelo trespassa a sola dos sapatos.
é frio, frio que te vem cortar os dedos
turvar o olhar, cerrar os lábios.
apertas a gola do casaco,
enquanto rolos de ar se libertam da boca
semiaberta.
ao teu lado, um velho tronco de árvore
adormecido,
gasto por histórias escritas
nas tempestades de inverno.
[ah, que inferno].
não,
não deixes que este fevereiro
renasça contigo,
se faça monstro dentro de ti,
te morda o pescoço
e te roube a as cidades transparentes
que avistas por detrás da retina.
sabes caminhar mas não há caminho
a lama cobriu o que o tempo esqueceu,
queres ir mas não sabes onde
não vislumbras a pedra com que te cobrir.
é:
os meses são como a roupa da cama:
assobiam rebanhos nocturnos
e no desejo de adormecer camélias
empurram o lençol para o rosto
lambem o sonho
acariciam o desejo
enquanto estendem a mão para a boca
brincam às escondidas na solidão da noite
[não o sabias?]
e não consigo respirar
e falta-me o ar
e procuro os utensílios, desinfectados
e esqueci o frasco de cristal
e bebi do veneno
e não sei do antídoto
e estrebucho em silêncio
e arranho o sangue com pele
e vomito as entranhas que não me pertencem
que não me pertenceram
e já não sou eu que choro.
e, ao meu lado,
há sempre alguém que morre primeiro.
Jorge Pimenta & Laura Alberto
clint mansell, requiem for a dream