Acorda.
Acorda,
dessa letargia dos dias,
Abre,
os olhos para fora da tua escuridão,
Abraça,
o tempo que se esvai,
Bebe,
até ao sal da pele,
Beija,
o fumo solidificado sob a ombreira da porta.
«Escrever não é agradável. É um trabalho duro e sofre-se muito. Por momentos, sentimo-nos incapazes: a sensação de fracasso é enorme e isso significa que não há sentimento de satisfação ou de triunfo. Porém, o problema é pior se não escrever: sinto-me perdido. Se não escrever, sinto que a minha vida carece de sentido.»
de Paul Auster
"Saber que será má uma obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. […] O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou não me basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida."
de Bernardo Soares
quarta-feira, 30 de junho de 2010
Estudo XLVII
Manifesto II
Um dia
Quis um dia,
meu corpo junto ao teu,
deitar nas vozes abafadas,
prisioneiras de teu peito.
Quis um dia,
meu sonho ao lado do teu,
erguer nuvens sorrateiras,
no gelo de nossos dias.
Quis um dia,
minha boca com a tua,
esquecer as âncoras de aço,
perder a vida que resta
Resta-me o sono da perda,
Na insónia do desejo.

A Sesta, 1939, Almada Negreiros
meu corpo junto ao teu,
deitar nas vozes abafadas,
prisioneiras de teu peito.
Quis um dia,
meu sonho ao lado do teu,
erguer nuvens sorrateiras,
no gelo de nossos dias.
Quis um dia,
minha boca com a tua,
esquecer as âncoras de aço,
perder a vida que resta
Resta-me o sono da perda,
Na insónia do desejo.

A Sesta, 1939, Almada Negreiros
terça-feira, 29 de junho de 2010
Manifesto I
Sete palmos de terra
Eu, eu própria,
Munida de pás coragem,
Olhos húmidos de sangue,
Veias secas, mirradas de dor,
Braços laços de nada,
Eu, eu própria,
Deitarei dez pazadas de terra
Vinte pazadas de terra,
Tinta pazadas de terra
Mil pazadas de terra,
Eu, eu própria,
Hei-de enterrar essa triste figura!

Here, This Is Stieglitz Here, 1915, Francis Picabia
Eu, eu própria,
Munida de pás coragem,
Olhos húmidos de sangue,
Veias secas, mirradas de dor,
Braços laços de nada,
Eu, eu própria,
Deitarei dez pazadas de terra
Vinte pazadas de terra,
Tinta pazadas de terra
Mil pazadas de terra,
Eu, eu própria,
Hei-de enterrar essa triste figura!

Here, This Is Stieglitz Here, 1915, Francis Picabia
Estudo XLVI
Pergunto que tu (não) respondes
E se de repente fica frio?
Na orla dos abetos espreitam os lobos famintos.
E se de repente cai uma tempestade?
No carreiro do húmus assoma a serpente.
E se de repente se ergue o vento?
Do alto do penhasco são minúsculas as tuas mãos.

Mulher sentada (O retrato de Muriel Belcher), de Francis Bacon
E se de repente fica frio?
Na orla dos abetos espreitam os lobos famintos.
E se de repente cai uma tempestade?
No carreiro do húmus assoma a serpente.
E se de repente se ergue o vento?
Do alto do penhasco são minúsculas as tuas mãos.

Mulher sentada (O retrato de Muriel Belcher), de Francis Bacon
segunda-feira, 28 de junho de 2010
Só
Acendi um cigarro, que me esqueci de fumar,
Longe,
A cidade roubou-me a tua memória,
Aqui,
As paredes pintam o teu corpo.
Enchi um copo, que não me lembro de esvaziar,
Distante,
Os ecos da vida perdem-se no acaso,
Perto,
O vento fala na tua voz.
Abre-se a janela, o ar não entra,
Consome-se o silêncio,
Esventrado os restos do cadáver vazio,
Afagando a cegueira
Especada sobre a porta, aberta?

Fotografia Pedro Polónio, http://club-silencio.blogspot.com/
Longe,
A cidade roubou-me a tua memória,
Aqui,
As paredes pintam o teu corpo.
Enchi um copo, que não me lembro de esvaziar,
Distante,
Os ecos da vida perdem-se no acaso,
Perto,
O vento fala na tua voz.
Abre-se a janela, o ar não entra,
Consome-se o silêncio,
Esventrado os restos do cadáver vazio,
Afagando a cegueira
Especada sobre a porta, aberta?

Fotografia Pedro Polónio, http://club-silencio.blogspot.com/
sexta-feira, 25 de junho de 2010
Estudo XLV
Gangrena
pelo menos hoje:
quero dormir,
nem que seja sozinha
quero ouvir,
mesmo que seja o silêncio
quero rasgar este corpo,
sem peito, sem jeito,
estalam as vigas do tecto,
rangem as tábuas do soalho,
mate-se o cadáver,
já,
pelo menos hoje
pelo menos hoje:
quero dormir,
nem que seja sozinha
quero ouvir,
mesmo que seja o silêncio
quero rasgar este corpo,
sem peito, sem jeito,
estalam as vigas do tecto,
rangem as tábuas do soalho,
mate-se o cadáver,
já,
pelo menos hoje
Estudo XLIV
Suspiro
que venha abrupta,
decidida entre o ar que sufoca,
rasgue a carne sem mercê,
termine o suplicio de um coração cego,
estranho ao seu redor
que venha, rápida
que venha abrupta,
decidida entre o ar que sufoca,
rasgue a carne sem mercê,
termine o suplicio de um coração cego,
estranho ao seu redor
que venha, rápida
quarta-feira, 23 de junho de 2010
Estudo XLIII
Estudo LXII
Perda(s)
passava uma gaivota
gritando ao crepúsculo:
nem toda a atmosfera
merece o ar que expiras
roncava o sol
ao silêncio da noite:
nem todo o solo
será calcado por ti
brincava a chuva
nos dias longos:
ao menos toco eu
esse teu corpo desfeito
passava uma gaivota
gritando ao crepúsculo:
nem toda a atmosfera
merece o ar que expiras
roncava o sol
ao silêncio da noite:
nem todo o solo
será calcado por ti
brincava a chuva
nos dias longos:
ao menos toco eu
esse teu corpo desfeito
Despedida
o mar acabaria por vazar,
à mercê do sol, um corpo abandonado
abrigando as entranhas ressequidas,
a pele acabaria por estalar,
e estranhamente até o sal desapareceria,
(a pergunta:
Onde estás?)
à mercê do sol, um corpo abandonado
abrigando as entranhas ressequidas,
a pele acabaria por estalar,
e estranhamente até o sal desapareceria,
(a pergunta:
Onde estás?)
segunda-feira, 21 de junho de 2010
Estudo LXI
domingo, 20 de junho de 2010
Estudo LX
Estudo LIX
sábado, 19 de junho de 2010
Estudo LVIII
Estudo LVII
Sangre
ao menos deixa-me dormir
num só sopro de ar,
deitar na oferta da solidão,
deixa-me ao menos dormir,
aquecer o peito no frio que exala,
repousar no sonho mirrado,
ao menos deixa-me esquecer,
o corpo passado,
pousado em teu sonho
deixa-me ao menos esquecer,
o coração seco,
esquecido na ausência do toque,
deixa-me cair na lâmina de aço

Raoul Hausmann, Cartaz-poema 1918
ao menos deixa-me dormir
num só sopro de ar,
deitar na oferta da solidão,
deixa-me ao menos dormir,
aquecer o peito no frio que exala,
repousar no sonho mirrado,
ao menos deixa-me esquecer,
o corpo passado,
pousado em teu sonho
deixa-me ao menos esquecer,
o coração seco,
esquecido na ausência do toque,
deixa-me cair na lâmina de aço

Raoul Hausmann, Cartaz-poema 1918
quinta-feira, 17 de junho de 2010
Estudo LVI
terça-feira, 15 de junho de 2010
Estudo LV
segunda-feira, 14 de junho de 2010
Estudo LIV
Estudo LIII
13
Jerónimo lia em voz alta,
as velhas histórias infantis,
em voz alta lia,
ignorando os que por si passam,
entre risos e comentários
era eu na sua história,
e Jerónimo em voz alta lia,
viajava eu na sua história,
lê Jerónimo,
Jerónimo lê,
a minha infantil história

Fotografia de Pedro Polónio, http://club-silencio.blogspot.com/
Jerónimo lia em voz alta,
as velhas histórias infantis,
em voz alta lia,
ignorando os que por si passam,
entre risos e comentários
era eu na sua história,
e Jerónimo em voz alta lia,
viajava eu na sua história,
lê Jerónimo,
Jerónimo lê,
a minha infantil história

Fotografia de Pedro Polónio, http://club-silencio.blogspot.com/
sábado, 12 de junho de 2010
Estudo LII
Arrependimento ou Simples Falta de Coragem
engoli o ar
quando devia ter falado,
não abri os braços
quando era a ti que procurava,
escondi a boca
desejosa por te degustar,
segui o trilho
sonhando permanecer,
fechei os olhos
perante nossas figuras prostradas,
fingi viver
num jogo perdido,

Fotografia de Jorge Molder
engoli o ar
quando devia ter falado,
não abri os braços
quando era a ti que procurava,
escondi a boca
desejosa por te degustar,
segui o trilho
sonhando permanecer,
fechei os olhos
perante nossas figuras prostradas,
fingi viver
num jogo perdido,

Fotografia de Jorge Molder
sexta-feira, 11 de junho de 2010
Estudo LI
Enlouquecer
e de repente,
não são as vagas contra o corpo,
nem o vento que acaricia o cabelo,
não é a chuva que lava a alma,
nem o ar que me entranha
e de repente,
és tu que me tomas em silêncio,
embarcas-me no teu dorso,
traças as curvas do meu corpo,
sacias a sede da minha boca,
e de repente,
somos pedaços de terra,
banhados por mar,
sou um pedaço de terra, banhado no teu mar
e de repente,
não são as vagas contra o corpo,
nem o vento que acaricia o cabelo,
não é a chuva que lava a alma,
nem o ar que me entranha
e de repente,
és tu que me tomas em silêncio,
embarcas-me no teu dorso,
traças as curvas do meu corpo,
sacias a sede da minha boca,
e de repente,
somos pedaços de terra,
banhados por mar,
sou um pedaço de terra, banhado no teu mar
quinta-feira, 10 de junho de 2010
Estudo L
Aos pedaços
sabes que tenho medo,
deitada nos teus lençóis,
acariciada pela tua respiração,
ao acaso no quarto,
sabes que tenho medo,
quando viajo no teu corpo,
e arquejo o meu peito
secretamente preso no teu,
sempre soubeste que tenho medo,
quando me tomas na tua boca
sabe que já não tenho medo,
quando me engoles de uma só vez,
aos pedaços
sabes que tenho medo,
deitada nos teus lençóis,
acariciada pela tua respiração,
ao acaso no quarto,
sabes que tenho medo,
quando viajo no teu corpo,
e arquejo o meu peito
secretamente preso no teu,
sempre soubeste que tenho medo,
quando me tomas na tua boca
sabe que já não tenho medo,
quando me engoles de uma só vez,
aos pedaços
Chamada
chama a noite,
os corpos desnudos, deitados,
respirando mecanicamente,
contornos desenhados pelo frio dos lençóis,
no silêncio dos quartos,
contorcem-se os troncos suavemente,
apertam-se as pernas em desespero,
o bafo quente é visitante,
aí, na solidão dos dias longos,
onde habita o pecado,
deixamos os corpos tenros,
arder até ao fim

Foto Pedro Polónio, http://club-silencio.blogspot.com/
os corpos desnudos, deitados,
respirando mecanicamente,
contornos desenhados pelo frio dos lençóis,
no silêncio dos quartos,
contorcem-se os troncos suavemente,
apertam-se as pernas em desespero,
o bafo quente é visitante,
aí, na solidão dos dias longos,
onde habita o pecado,
deixamos os corpos tenros,
arder até ao fim

Foto Pedro Polónio, http://club-silencio.blogspot.com/
terça-feira, 8 de junho de 2010
Vida(s)
Um segundo,
vê-me.
Dois segundos,
nada.
Três segundos,
nada ainda.
Quatro segundos,
toca-me.
Cinco segundos,
toco-te.
Seis segundos,
Parámos.
(Silêncio)
Sete segundos,
beijamo-nos.
Oito segundos,
a repetição.
Nove segundos,
e de novo.
Dez segundos,
a tempestade.
Onze segundos,
o silêncio.
Séculos apenas,
sozinhos.

Skull, Andy Wharhol, 1976
vê-me.
Dois segundos,
nada.
Três segundos,
nada ainda.
Quatro segundos,
toca-me.
Cinco segundos,
toco-te.
Seis segundos,
Parámos.
(Silêncio)
Sete segundos,
beijamo-nos.
Oito segundos,
a repetição.
Nove segundos,
e de novo.
Dez segundos,
a tempestade.
Onze segundos,
o silêncio.
Séculos apenas,
sozinhos.

Skull, Andy Wharhol, 1976
domingo, 6 de junho de 2010
Estudo XLIX
Desculpas?
tens razão, devia ter trazido as maçãs,
perdi-me entre árvores de betão,
seduzi os pássaros do alcatrão,
tens razão, nunca faço o que dizes,
bebi do néctar proibido,
fui mordida por lobos que uivam,
tens razão, venho sempre sem nada,
mas sabes?
na verdade, eu comi as maçãs

Sem Título, Mário Cesariny
tens razão, devia ter trazido as maçãs,
perdi-me entre árvores de betão,
seduzi os pássaros do alcatrão,
tens razão, nunca faço o que dizes,
bebi do néctar proibido,
fui mordida por lobos que uivam,
tens razão, venho sempre sem nada,
mas sabes?
na verdade, eu comi as maçãs

Sem Título, Mário Cesariny
Estudo XLVIII
Estudo XLVII
Sábado
não estou aqui,
permaneço ao teu lado,
mas não sou mais que uma fotografia,
condenada ao silêncio de uma folha de papel,
não estou aqui,
o sorriso que te devolvo,
é mera pintura de um artista anónimo,
esquecido ao bater das horas,
não estou aqui
e também não sei onde vou
(só sei que não estou)

Gun, Andy Warhol, 1981-1982
não estou aqui,
permaneço ao teu lado,
mas não sou mais que uma fotografia,
condenada ao silêncio de uma folha de papel,
não estou aqui,
o sorriso que te devolvo,
é mera pintura de um artista anónimo,
esquecido ao bater das horas,
não estou aqui
e também não sei onde vou
(só sei que não estou)

Gun, Andy Warhol, 1981-1982
sábado, 5 de junho de 2010
Estudo XLVI
Armário
quando penso em ti sorrio,
o choro acabou por dar origem ao silêncio,
o teu rosto é agora uma névoa que se espalha
nas frias noites da vida,
quando penso em ti, agora consigo sorrir,
as lágrimas secaram nos meus olhos,
o teu corpo transformou-se em água,
despiu-se de mim,
quando penso em ti, já não sorrio,
já não penso, quando penso em ti
,+1976-1986.jpg)
Andy Warhol, Untitled (Skeletons) 1976-1986
quando penso em ti sorrio,
o choro acabou por dar origem ao silêncio,
o teu rosto é agora uma névoa que se espalha
nas frias noites da vida,
quando penso em ti, agora consigo sorrir,
as lágrimas secaram nos meus olhos,
o teu corpo transformou-se em água,
despiu-se de mim,
quando penso em ti, já não sorrio,
já não penso, quando penso em ti
,+1976-1986.jpg)
Andy Warhol, Untitled (Skeletons) 1976-1986
Praesens III
Em resposta ao meu Praesens II, o meu amigo João Miguel deixou-me ficar um belissimo poema, é justo que eu o publique aqui.
Obrigada João.
O silêncio
(era preferível o silêncio!)
é o prolongamento do túnel escuro
por onde fugimos
A saída era voltar atrás
onde nos encontrámos
Lá fora gravita o sol
gravando em fogo
um futuro
suspenso
Mas avançamos ao acaso
feridos pela noite
João Miguel Ferreira
Obrigada João.
O silêncio
(era preferível o silêncio!)
é o prolongamento do túnel escuro
por onde fugimos
A saída era voltar atrás
onde nos encontrámos
Lá fora gravita o sol
gravando em fogo
um futuro
suspenso
Mas avançamos ao acaso
feridos pela noite
João Miguel Ferreira
sexta-feira, 4 de junho de 2010
Estudo XLV
quinta-feira, 3 de junho de 2010
Estudo XLIV
Banheira
mergulhei naquela água fria,
a mesma azulada de sempre,
deixei que subisse até às narinas
e acariciasse o meu cabelo
os azulejos brancos ainda reflectem a tua imagem,
as pernas entrelaçam-se no tango bizarro de sempre,
dou por mim enterrada no teu peito,
prisioneira nos teus braços,
destapo o ralo
e deixo que a água escoe,
só sei que tenho frio, muito frio

Knives by Andy Warhol
mergulhei naquela água fria,
a mesma azulada de sempre,
deixei que subisse até às narinas
e acariciasse o meu cabelo
os azulejos brancos ainda reflectem a tua imagem,
as pernas entrelaçam-se no tango bizarro de sempre,
dou por mim enterrada no teu peito,
prisioneira nos teus braços,
destapo o ralo
e deixo que a água escoe,
só sei que tenho frio, muito frio

Knives by Andy Warhol
quarta-feira, 2 de junho de 2010
Praesens II
Estudo XLIII
Farmácia
as baratas beberam todo o perclorato de ferro,
continuam recatadas nos cantos,
procuramos o remédio infalível
para as fracturas expostas,
porque o sangue já não corre lá,
adoçam-nos os braços com palavras vãs
abraçam-nos os lábios com dedos de lã
as baratas beberam todo o perclorato de ferro,
continuam recatadas nos cantos,
procuramos o remédio infalível
para as fracturas expostas,
porque o sangue já não corre lá,
adoçam-nos os braços com palavras vãs
abraçam-nos os lábios com dedos de lã
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