O retrato
ainda não sei bem como,
mas acabei por descobrir
que por trás desses lábios, gaguejas
terá sido o frio do quarto
o entoar do relógio, distante
que te desenhou essa ruga?
ainda não sei bem porquê
mas os teus olhos trouxeram-me
os dedos que não se vislumbram
terá sido o silêncio do papel,
sobre a humidade que escorre
que apagou a tua figura?
ainda não percebi bem o motivo:
porque as fotografias se guardam
sobre a memória de um beijo
«Escrever não é agradável. É um trabalho duro e sofre-se muito. Por momentos, sentimo-nos incapazes: a sensação de fracasso é enorme e isso significa que não há sentimento de satisfação ou de triunfo. Porém, o problema é pior se não escrever: sinto-me perdido. Se não escrever, sinto que a minha vida carece de sentido.»
de Paul Auster
"Saber que será má uma obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. […] O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou não me basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida."
de Bernardo Soares
É comum que uma imagem visual faça germinar palavras que, no entanto, não escapam ao plano.
ResponderEliminarMas as palavras podem criar uma "quadridimensionalidade" extremamente fecunda, onde se soma ao comprimento, à altura e à largura, algo que quer fugir do sólido representado, fazendo com que ele pulse e se mova, talvez a verdadeira arte cinética. Poderíamos chamar essa quarta dimensão de caráter? Alma? Mistério? Deve ser nessa dimensão que as flores crescem sob a terra, uma inflamação de tom e cor pressentidos pelo aroma nunca neutro. Mesmo quando cinza.
Um tremendo retrato.
Beijo, Laura.
Procuro essa tal de quarta dimensão, mas ainda não a consegui encontrar!
ResponderEliminarsempre sábio, Marcantonio!
Beijos
Laura