A minha tia Laura era baixinha e
gordinha, de cabelo encaracolado, sempre curto e pintado de preto, quando a
idade começou a pregar as suas partidas. Não usava calças, pois não era do
tempo delas, mas tivesse ela nascido nos dias de hoje e de certeza que estas
seriam peças do seu guarda-roupa. Contudo, a minha tia Laura, não ligava à
roupa e só se aperaltava quando tinha de sair de casa, ou para ir às compras,
ou ao médico, ou então quando ia sair connosco, era eu miúda e não sabia sequer
que aquela seria a minha grande tia Laura. Já com o cabelo era diferente,
durante o dia penteava-o várias vezes e, das situações mais caricatas, se
tivesse de ir de urgência ao hospital, tentava sempre ir arranjar o cabelo.
Nunca vi a minha tia chorar, mas
deve ter chorado muito, mas eu nunca vi. A tia que eu conheci estava sempre a
sorrir e a cantar, músicas que eu suponho serem inventadas por si, ainda que
não fossem, hoje canto-as como se fossem dela.
Então a minha tia era a pessoa
mais alegre que eu conheci em toda a minha vida, brincava comigo e nos jogos,
que não sabia as regras, deixava-me sempre ganhar. Sem saber ler ou escrever,
apenas o nome, sabia a tabuada como ninguém. Certo é que tentei ensina-la a
ler, mas nunca aprendeu nada, percebo agora que talvez não quisesse, pois os
segredos do universo ela já os sabia.
Enquanto os meus pais trabalhavam
eu ficava na casa dos meus tios, quando fui para a escola, o meu tio Pacheco
(Alberto) ia-me buscar até à hora dos meus pais chegarem e me levarem para
casa. Nesses dias eu brincava de manhã à noite e a minha tia lá me ia aturando,
enquanto fazia as lidas domésticas. Era vê-la no tanque, inverno ou verão, a
lavar toda a roupa, apesar de ter máquina de lavar, nunca era usada, e eu cá em
cima na brincadeira, Ó tia, o telefone está a tocar! e a minha tia, que era um
pouco surda, vinha a correr e nada. 1 de Abril. Era eu escondida na sala à
espera que a minha tia passasse e buu, 1 de Abril. Era a minha tia à minha
espera e buu, 1 de abril. E era assim o dia todo, que se viria a repetir no ano
seguinte.
Talvez tenha sido num desses dias
1 de abril que me prometeu que nunca iria morrer e ficaríamos sempre juntas,
talvez num desses dias tenha criado o amigo aranhão, para eu ter medo e comer,
acabando por passar os dias a pedir para o conhecer e à sua espera.
Ainda resistiu a uma série de
enfartes, nunca emagreceu como lhe mandaram os médicos, Que emagreça ele, e
contou comigo muitos dias de partidas e de brincadeiras.
Cresci tia, aprendi que tudo
encerrará um fim em si, mas até lá, bu, dia 1 de abril.
Gosto muito.
ResponderEliminarA história de uma vida que de mentira não tem nada.
Enquanto lia, revivi...
Em boa hora aqui vim parar!
Grato pela partilha