de repente tenho cem anos
tenho os séculos sobre os ombros
e arqueio as costas sobre luz pálida
vejo-me a caminhar na noite
reflexo devolvido pelas montras,
ausente de vida
de repente tenho cem anos
não conheço a imagem
que os teus olhos
devolvem, estranha
sou atravessada por uma bicicleta,
por miúdo com o seu brinquedo,
por um casal de namorados
cem anos: lavaram a dor
trouxeram o frio, o silêncio
as palavras que se afundam no peito
e de repente tenho cem anos
desconheço o que aqui me trouxe
ignoro o que me faz ficar
uma figura curvada sobre a mesa
uma pergunta,
a menina toma alguma coisa?
«Escrever não é agradável. É um trabalho duro e sofre-se muito. Por momentos, sentimo-nos incapazes: a sensação de fracasso é enorme e isso significa que não há sentimento de satisfação ou de triunfo. Porém, o problema é pior se não escrever: sinto-me perdido. Se não escrever, sinto que a minha vida carece de sentido.»
de Paul Auster
"Saber que será má uma obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. […] O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou não me basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida."
de Bernardo Soares
segunda-feira, 30 de janeiro de 2012
quinta-feira, 26 de janeiro de 2012
desAlinhado XVII
XVII
a noite
desce silenciosa
sobre a
majestosa avenida
vestida de
gente apressada,
que corre,
que pára
que espera
e que parte
alheia à
humidade da noite
que
transpira no granito sujo
viro à
esquerda, uma alameda
vazia,
quase vazia, um depósito
de carros
luxuosos
árvores
seculares
de beatas,
de papéis
de escarros,
paralelos
perdidos
caminho com
o frio nos pés
finjo que
corro, apressada
entre faróis
amarelos de automóveis
à procura
do caminho de regresso a casa
e lentamente
vejo-me a desaparecer
uma névoa
cinzenta colada aos abetos
pudesse eu
falar
gesticular
erguer os
braços
mexer as
mãos
pudesse eu
ser eu
não sendo
invisível
[Meus queridos amigos,
nunca um texto meu tinha sido alvo de tantos comentários. Algo que me deixa bastante feliz. Motivo pelo qual me vejo, agradavelmente obrigada, a deixar aqui uma palavras de agradecimento a todos os que comentam e que lêem.
Não sou mestre com as palavras, por isso deixo aqui o meu sincero Obrigada, pelas vossas palavras, pela vossa visita.
Abraço
LauraAlberto]
segunda-feira, 23 de janeiro de 2012
esventrados II
apanho a roupa jogada ao acaso
pelo chão do quarto,
do outro lado o teu olhar negro fita-me
sobrancelhas em arco, carregadas de aparente calma
reconheço os teus lábios grossos
que tantas vezes percorreram o meu corpo arrepiado,
sinto o arranhar da tua barba no ventre
caminho com passos perdidos
fintando os detritos da última noite
apoiada nas paredes de cor esquecida
entre o pó e o tempo
acumulado no canto do quarto
pressinto o mexer das rugas na tua testa
eu disse que te amava
isto, isto é só fazer de conta
pelo chão do quarto,
do outro lado o teu olhar negro fita-me
sobrancelhas em arco, carregadas de aparente calma
reconheço os teus lábios grossos
que tantas vezes percorreram o meu corpo arrepiado,
sinto o arranhar da tua barba no ventre
caminho com passos perdidos
fintando os detritos da última noite
apoiada nas paredes de cor esquecida
entre o pó e o tempo
acumulado no canto do quarto
pressinto o mexer das rugas na tua testa
eu disse que te amava
isto, isto é só fazer de conta
balada XI
só queria que me falasses
de histórias inventadas quando entrelaçamos as pernas
e eu sussurrava ao teu ouvido,
a mentira não me serve
só queria que soubesses
o frio que trazia na pele
que jazia sobre os teus lábios quentes
só queria uma vez mais
a estrada sinuosa,
a noite,
e o banco de trás do teu carro
mas todos os copos se esvaziaram
e as camas foram incendiadas
numa mistela de cinza e sangue
agora vejo-me no espelho
a desaparecer
estou sentada à tua porta
e nem um cêntimo me sobra
Lydia Lunch & Nick Cave - Done Dun
de histórias inventadas quando entrelaçamos as pernas
e eu sussurrava ao teu ouvido,
a mentira não me serve
só queria que soubesses
o frio que trazia na pele
que jazia sobre os teus lábios quentes
só queria uma vez mais
a estrada sinuosa,
a noite,
e o banco de trás do teu carro
mas todos os copos se esvaziaram
e as camas foram incendiadas
numa mistela de cinza e sangue
agora vejo-me no espelho
a desaparecer
estou sentada à tua porta
e nem um cêntimo me sobra
Lydia Lunch & Nick Cave - Done Dun
esventrado I
Fotografia de Pedro Polónio, http://club-silencio.blogspot.com/
já mirraram as ervas rasteiras no rés da porta
os cães desistiram de mijar nas paredes
os miúdos guardaram as suas pedras no bolso
e o frio desistiu de invadir os vidros partidos
perdeu-se o odor dos narcisos apodrecidos
a pele, colada em paredes nuas
o silêncio é algo que ainda consigo berrar
domingo, 22 de janeiro de 2012
balada X
então veio o gigante de esguios dedos
acariciar os peões escondidos
falou:
das cidades que construiria
das músicas que embalariam as noites
das estrelas com que iluminaria o céu escuro
e os pequenos saíram das suas tocas
e os ponteiros dos relógios correram
e o céu tingiu-se com o sangue dos seus minúsculos pescoços
Ajuda
Queridos amigos, uma vez mais a minha conta do Google tem problemas comigo...
Para além de não conseguir comentar em blogues cuja janela para os comentários aparece no próprio blogue e não como página separada, também não consigo seguir alguns dos blogues que costumo frequentar...
Alguém sabe o que tenho de fazer???
Obrigada!
Para além de não conseguir comentar em blogues cuja janela para os comentários aparece no próprio blogue e não como página separada, também não consigo seguir alguns dos blogues que costumo frequentar...
Alguém sabe o que tenho de fazer???
Obrigada!
quinta-feira, 19 de janeiro de 2012
desAlinhados XVI
a manhã não devia de existir,
jamais
a sua luz pálida arrasa as noites
e nas noites é onde quero ficar
a manhã é animal sorrateiro
respira pela frincha da porta
para roubar a escuridão onde me aqueço,
traz falsos embrulhos com laços desfeitos
com que presenteia dias de cegueira
a manhã?
a manhã não devia nunca de existir
obriga-me a vestir a tua roupa
nos dias que escorrem sonolentos
Nine Inch Nails - Something I can never have (still)
jamais
a sua luz pálida arrasa as noites
e nas noites é onde quero ficar
a manhã é animal sorrateiro
respira pela frincha da porta
para roubar a escuridão onde me aqueço,
traz falsos embrulhos com laços desfeitos
com que presenteia dias de cegueira
a manhã?
a manhã não devia nunca de existir
obriga-me a vestir a tua roupa
nos dias que escorrem sonolentos
Nine Inch Nails - Something I can never have (still)
quarta-feira, 18 de janeiro de 2012
balada IX
uma casa foi mandada construir
de pedras, madeira e terra
sem arquitectos ou engenheiros
rasgando o azul do céu no topo da inacessível montanha
pegou nela por um braço, quase que o partia
na casa deserta ela teria o seu lugar
entre frinchas de luz coadas por escuridão
lavou-lhe o corpo frio na quentura da água
desenhou-lhe paisagens com os fios do cabelo
vestiu-a de leves tecidos que se moldaram com a sua forma esguia
durante muito tempo, tempo que agora esqueceu
observou-a imóvel desenhando o silêncio do quarto
as chamas sorveram os últimos hálitos da sua boca
de pedras, madeira e terra
sem arquitectos ou engenheiros
rasgando o azul do céu no topo da inacessível montanha
pegou nela por um braço, quase que o partia
na casa deserta ela teria o seu lugar
entre frinchas de luz coadas por escuridão
lavou-lhe o corpo frio na quentura da água
desenhou-lhe paisagens com os fios do cabelo
vestiu-a de leves tecidos que se moldaram com a sua forma esguia
durante muito tempo, tempo que agora esqueceu
observou-a imóvel desenhando o silêncio do quarto
as chamas sorveram os últimos hálitos da sua boca
segunda-feira, 16 de janeiro de 2012
balada VIII
Essential Killing - Ending Theme
o vento agita violentamente bandeiras
inúteis, presas nos seus velhos mastros, esfarrapadas
ouço o som de ondas, que se rebentam contra os rochedos
e todo o oceano é um banho de espuma amarelada
o frio faz-me voltar as costas e apertar o casaco
a língua de alcatrão estende-se sob os meus pés
frios e húmidos desta estação que me consome
ainda vejo um reflexo numa qualquer montra
e mal reconheço a minha face no vidro sujo de um prédio devoluto
sigo a estrada com o vento nas minhas costas
desconheço a sensação de fome, de sede
sei de cor o frio que me invade
e sigo, surda, muda e cega
não importa
a claridade do teu sorriso
o calor da tua boca
o sabor dos teus braços
a cor das palavras na tua voz
vasta é a estrada
imensos são os trilhos sinuosos
e com lama alagam-se as trincheiras
sete palmos de lama

Fotografia de Pedro Polónio, http://club-silencio.blogspot.com/
sexta-feira, 13 de janeiro de 2012
já o disse, há muitos anos atrás
quando o tempo não sabia o tempo que restava
e as nuvens escondiam-se entre rostos sorridentes
já o disse, agarrada pelos teus braços
ao som do mar que descia pelas nossas pernas enroscadas
e o céu era uma vasta cortina de luz
já o disse, quase em silêncio
o teu nome em segredo
quando o tempo não sabia o tempo que restava
e as nuvens escondiam-se entre rostos sorridentes
já o disse, agarrada pelos teus braços
ao som do mar que descia pelas nossas pernas enroscadas
e o céu era uma vasta cortina de luz
já o disse, quase em silêncio
o teu nome em segredo
quinta-feira, 12 de janeiro de 2012
desAlinhados XV
XV
um dia a manhã padecerá
sobre o corpo dos amantes
numa luz pálida
e a noite cercará os campos
com a sua mortalha de aço
será nesse dia de escuridão
que eu aproveitarei para sair
Nick Cave & The Bad Seeds - Loverman
um dia a manhã padecerá
sobre o corpo dos amantes
numa luz pálida
e a noite cercará os campos
com a sua mortalha de aço
será nesse dia de escuridão
que eu aproveitarei para sair
Nick Cave & The Bad Seeds - Loverman
segunda-feira, 9 de janeiro de 2012
balada VII
escrevo-te esta carta, para depois a rasgar
deixo que as palavras manchem o papel
com a forma das suas letras, com o significado de agulhas afiadas,
escrevo-te estas mesmas palavras
para que as possas ler e perceber
para que eu as veja a arder
em imperfeitas labaredas laranja
e mais tarde sopre a cinza com toda a força ao sabor do vento
e estas palavras que acabo de escrever
uma a uma irá voar até ao infinito
até ti, que estarás a ler esta carta
Hallelujah - Nick Cave and The Bad Seeds
deixo que as palavras manchem o papel
com a forma das suas letras, com o significado de agulhas afiadas,
escrevo-te estas mesmas palavras
para que as possas ler e perceber
para que eu as veja a arder
em imperfeitas labaredas laranja
e mais tarde sopre a cinza com toda a força ao sabor do vento
e estas palavras que acabo de escrever
uma a uma irá voar até ao infinito
até ti, que estarás a ler esta carta
Hallelujah - Nick Cave and The Bad Seeds
desAlinhados XIV
dias há, em que o ponteiro cessa
com o gasto correr do tempo
e na escuridão do quarto assomem incertas certezas:
a eternidade é doce taça de cicuta
dias há, onde a noite entra pelo dia
arrastando as rosas com o temor
do vento de lâminas afiadas,
beijando os enfermos em leito de rios
dias há, onde não vejo a sombra
nascer dos meus pés
e o destino é mera travessia
sem provável regresso
Fotografia de Leonardo B., No lapso do tempo-7, http://odiariodasausencias.blogspot.com/
com o gasto correr do tempo
e na escuridão do quarto assomem incertas certezas:
a eternidade é doce taça de cicuta
dias há, onde a noite entra pelo dia
arrastando as rosas com o temor
do vento de lâminas afiadas,
beijando os enfermos em leito de rios
dias há, onde não vejo a sombra
nascer dos meus pés
e o destino é mera travessia
sem provável regresso

Fotografia de Leonardo B., No lapso do tempo-7, http://odiariodasausencias.blogspot.com/
sexta-feira, 6 de janeiro de 2012
desAlinhados XIII
segunda-feira, 2 de janeiro de 2012
Manifesto CXXXVIII
escorrego entre os teus dedos
os peixes são lembranças coloridas em memórias desbotadas
debaixo de um céu obscuro de nuvens cinzentas,
mergulhada em escuridão silenciosa
deixo que o meu corpo desagúe a teus pés
não haverá lágrimas a escorrer pelo peito
não haverá hora marcada nos relógios
não haverá folha no calendário
não haverá palavra a rasgar a carne
fico assim, imóvel
deixa as flores que nascem para o interior da terra
e os rios que param sem retorno possível
deixa que o meu nome seque nos teus lábios
os peixes são lembranças coloridas em memórias desbotadas
debaixo de um céu obscuro de nuvens cinzentas,
mergulhada em escuridão silenciosa
deixo que o meu corpo desagúe a teus pés
não haverá lágrimas a escorrer pelo peito
não haverá hora marcada nos relógios
não haverá folha no calendário
não haverá palavra a rasgar a carne
fico assim, imóvel
deixa as flores que nascem para o interior da terra
e os rios que param sem retorno possível
deixa que o meu nome seque nos teus lábios
desAlinhados XII
enquanto uma criança salta à corda
num jardim distante,
nascem pregos de aço nas mãos dos generais
a mesma criança corre livre
nas ruas da sua aldeia desconhecida
no lugar oposto, apertos de mãos honram promessas de sangue
de noite alguém virá aconchegar os lençóis,
desejar sonhos azuis à criança de cabelos despenteados,
do outro lado, esfregam-se as mãos
e puxa-se o lustro às espingardas
num jardim distante,
nascem pregos de aço nas mãos dos generais
a mesma criança corre livre
nas ruas da sua aldeia desconhecida
no lugar oposto, apertos de mãos honram promessas de sangue
de noite alguém virá aconchegar os lençóis,
desejar sonhos azuis à criança de cabelos despenteados,
do outro lado, esfregam-se as mãos
e puxa-se o lustro às espingardas
domingo, 1 de janeiro de 2012
desenho
falas do tempo como se dele fosses dono
conservado entre os bolsos do casaco
e vais construindo torres altas
pegas no lápis que trazes sempre contigo
desenhas as estradas e as flores do tempo quente
esboças lábios em granitos disformes
e eu não tenho tecto sobre a minha casa
e eu procuro portas em paredes infindáveis
e eu não tenho casaco que vestir
conservado entre os bolsos do casaco
e vais construindo torres altas
pegas no lápis que trazes sempre contigo
desenhas as estradas e as flores do tempo quente
esboças lábios em granitos disformes
e eu não tenho tecto sobre a minha casa
e eu procuro portas em paredes infindáveis
e eu não tenho casaco que vestir
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