«Escrever não é agradável. É um trabalho duro e sofre-se muito. Por momentos, sentimo-nos incapazes: a sensação de fracasso é enorme e isso significa que não há sentimento de satisfação ou de triunfo. Porém, o problema é pior se não escrever: sinto-me perdido. Se não escrever, sinto que a minha vida carece de sentido.»
de Paul Auster
"Saber que será má uma obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. […] O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou não me basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida."
de Bernardo Soares

segunda-feira, 10 de outubro de 2011



uma moeda reluziu diante dos meus olhos, ora, aqui está uma grande mentira, uma mentira poética: é impossível que uma suja moeda de cobre reflicta a luz do sol

[é o meu dia de sorte]

guardei-a no bolso, mais tarde colocá-la-ia numa qualquer gaveta em qualquer lado, daquelas que só se abrem para guardar aquilo que outros chamariam de inutilidades inúteis

riscava a areia que se acumula nos espaços dos paralelos juntamente com beatas, papeis e, perdoem-me a sinceridade, um ou outro escarro

alguém me pergunta as horas, sem olhar e sem errar, disparo
[dez horas]

estava de novo na minha mesa de café: ontem fui a última pessoa que aqui se sentou, hoje sou a primeira pessoa que aqui se senta

aqui, e isto porque as leis não passam da porta, pode-se fumar, pode-se fumar, pode-se voar com o fumo que sai de um cigarro em espirais incontroláveis

ninguém: o café está vazio: o Sr. Sebastião e eu
na cadeira vazia de fronte a mim, onde muitas vezes pouso um ou outro pé, uma caixa rectangular embrulhada em papel mata-borrão abraçado por um atilho de fio norte

[ei, está aqui um embrulho]

perante um encolher de ombros pouco interessado, desfaço o atilho, desembrulho o papel, abro a caixa:

uma pequena pedra cinzenta e um cigarro

[Sr. Sebastião, traga um cinzeiro]
(contínua...)

5 comentários:

  1. Laura, a tua imaginação (criatividade) não tem limites. És uma mentirosa (escanzelada?) muito querida, porque não faz mal a ninguém dizer que as moedas reluzem...
    Gostei imenso. Continua que eu espero sentado na tua mesa, a fumar o meu cigarrito às portas da lei...
    O Dali está escanzelado nesta foto. E a Gala pouco melhor está... Mentirosos, pois claro...
    Querida amiga Laura, tem uma boa semana.
    Beijos (mais que mentirosos...).

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  2. há mundos que apenas se tornam possíveis na mesa de um café, alinhada pelo fumo dos cigarros que, impossíveis, sabemos tornar possíveis. aí reside toda a verdade.
    magnífica a forma como tornas o real imaginário (ou será o inverso?).
    beijo, laurita!

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  3. ainda a flutuar, me ponho à espera da continuação...

    Beijinho carinhoso,Laura!

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  4. brilhante, Laura!

    um grande beijinho

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