«Escrever não é agradável. É um trabalho duro e sofre-se muito. Por momentos, sentimo-nos incapazes: a sensação de fracasso é enorme e isso significa que não há sentimento de satisfação ou de triunfo. Porém, o problema é pior se não escrever: sinto-me perdido. Se não escrever, sinto que a minha vida carece de sentido.»
de Paul Auster
"Saber que será má uma obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. […] O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou não me basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida."
de Bernardo Soares

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

voo suicida para todos os instantes perfeitos e dois suspiros


Fotografia de Jorge Pimenta

[...] estou cansado de ser apenas um homem.
António Skarmeta, O carteiro de Pablo Neruda



I
abro-te estas mãos que não acabam no tempo.
serás tu quem me há de sepultar
assim que mirrem os crisântemos
e o homem esqueça toda a linguagem.
não sei quando, na verdade,
não sou deus
e a catequese está já à distância da memória
por isso espero pelo calendário que marca os dias até morrer
e uma cigana que adivinhe quantos soubemos viver
nos silêncios que esquecem todas as palavras
todas as bocas
e quase todos os beijos.
será que permanecerão em mim,
pelo lado de fora,
todos os ruídos lentos que me abandonaram,
essa máquina que separa os vivos dos vivos
e nos aproxima dos mortos?
jorge pimenta


Fotografia de Jorge Pimenta


[…]e ninguém podia imaginar o mundo de palavras que levava comigo.
Correr é estar absolutamente sozinho.
[…] na solidão, é-me impossível fugir de mim próprio.
José Luís Peixoto, Cemitério de pianos


II
parece que muros se erguem violando o céu sagrado
deixo que o grito se suma mudo
e a terra cubra quem tomba pelas valetas
se é no horizonte que se desenha o futuro,
ainda que a lápis, ainda que alguém o apague
eterno é tudo aquilo que nunca fui

no vasto rol de deuses que me fitam do alto,
com o dedo acusador
sei que há silêncio e gemidos ocultos na carne cansada
e olhos fechados sobre todos eles

eu sei que vou morrer
eu sei que vou, um dia, morrer
eu sei que as asas que me deram não me deixam voar
e eu sei que sei voar
e eu sei que vou voar, no dia que eu sei que vou morrer.
Laura Alberto

2 comentários:

  1. mais definitivo do que a morte apenas a poesia, querida amiga.
    um abraço com todos aqueles mundos que não são o mundo!

    ResponderEliminar
  2. profundo e intenso como só os suspiros sabem ser...

    Belíssimo!
    admiro-vos tanto!

    Beijos

    ResponderEliminar