«Escrever não é agradável. É um trabalho duro e sofre-se muito. Por momentos, sentimo-nos incapazes: a sensação de fracasso é enorme e isso significa que não há sentimento de satisfação ou de triunfo. Porém, o problema é pior se não escrever: sinto-me perdido. Se não escrever, sinto que a minha vida carece de sentido.»
de Paul Auster
"Saber que será má uma obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. […] O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou não me basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida."
de Bernardo Soares

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Manifesto CXXXIV

memória do presente virado passado tirado futuro

carrego o tempo viscoso que me ensinaram a contar
os minutos, as horas, os dias, os anos, as décadas
guardados em sulcos sob a pele
nas minhas costas estende-se o pó pela estrada
diante dos meus olhos a estrada de pó
[onde se bifurcou este trilho sem fim?]

a memória é veneno que consumo com lentidão
arde-me o sangue: sinto-o queimar as veias
sinto as veias que queimam a carne
e a pele estalar com violência

esta memória:
é mortalha que cobre o corpo
é pesadelo nas noites mal dormidas
é sono nos dias repetidos e repetidos
é um pedaço de carne:
que não consigo arrancar
que não consigo engolir
que não consigo cuspir

Man Ray, Profile and Hands, 1932

1 comentário:

  1. há momentos em que clamo pela morte à memória. pobre coitado, inscrevo o brado na contradição de dela precisar para a saber exorcizar...
    beijo!

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