«Escrever não é agradável. É um trabalho duro e sofre-se muito. Por momentos, sentimo-nos incapazes: a sensação de fracasso é enorme e isso significa que não há sentimento de satisfação ou de triunfo. Porém, o problema é pior se não escrever: sinto-me perdido. Se não escrever, sinto que a minha vida carece de sentido.»
de Paul Auster
"Saber que será má uma obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. […] O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou não me basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida."
de Bernardo Soares

domingo, 13 de maio de 2012

purgatorium XXV


E de repente estás só.
E de repente estou sozinha.
E de repente sou eu, parada no centro da cidade de sempre. A sola a acariciar o chão imundo. Apago o cigarro com a ponta do sapato.
Sinto a inércia no corpo. Invadem-me as batidas do relógio na torre: sincronizadas, metálicas, uma lâmina que penetra nos tímpanos e entra na corrente sanguínea.
O coração dispara debaixo do peito cola-se nas costelas. Força-as. Obriga que se dilatem até ao possível limite humano.
Estou no centro de mim e todos se afastam. Vejo-os desaparecer, primeiro minúsculos pontos pretos, depois nada.
E de repente estou só.
Fotografia de Laura Alberto

7 comentários:

  1. há des[a]tinos que afiam os lábios antes mesmo que a palavra germine. e florescem, porque até no inverno a tinta com que mascaramos os dias acaba por secar.

    beijinho!

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  2. Laurinha,
    "... e de repente estou só".
    E de repente estás só.
    Até mesmo na solidão há alguém que nos acompanhe, um companheiro solitário que na outra ponta.

    Beijos e ótima semana!

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  3. Súbito o coração para e se olha... sozinho!
    Bj grande, poeta=amiga

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  4. Triste é a sensação de abandono.
    Esta solidão também parece invadir quem lê.
    Lindo, Laura.

    bjs.

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  5. há tanto neste vazio só, pululando


    beijo

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  6. "Busco-me e não me encontro. Pertenço a horas crisântemos, nítidas em alongamentos de jarros.Deus fez da minha alma uma coisa decorativa.
    Não sei que detalhes demasiadamente pomposos e escolhidos definem o feitio do meu espírito. O meu amor ao ornamental é, sem dúvida, porque sinto nele qualquer coisa de idêntico à substância da minha alma."
    (Trecho 134 do Livro do Desassossego - Bernardo Soares)

    Tão conveniente a lembrança deste trecho!

    Beijinho,querida!

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  7. "Estou no centro de mim". Isso é grande e arrebatador! Por isso todos se afastam, afinal é o seu momento.

    Bjo

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