«Escrever não é agradável. É um trabalho duro e sofre-se muito. Por momentos, sentimo-nos incapazes: a sensação de fracasso é enorme e isso significa que não há sentimento de satisfação ou de triunfo. Porém, o problema é pior se não escrever: sinto-me perdido. Se não escrever, sinto que a minha vida carece de sentido.»
de Paul Auster
"Saber que será má uma obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. […] O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou não me basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida."
de Bernardo Soares

segunda-feira, 7 de março de 2011

"O coração é um vasto cemitério"-Heiner Muller

XXVIII
sentava-me naquele corredor, gigantesco na altura, sobre a carpete fofa: de pernas cruzadas, de joelhos, de lado. aquele corredor era o meu país e eu: ditava as leis, construía cidades, destruía casas e tocava no meu piano de plástico.
naquele corredor, separado de toda a casa por portas vi, pela primeira vez, o meu sangue escorrer pela testa, vi o meu pai e a minha mãe: de costas, de frente, zangados, chateados, a sorrir muito, quando tocava o meu piano de plástico.
naquele corredor, de paredes que não lembro a cor, vi todas as pessoas que entraram, que saíram e tornaram a entrar, que entraram, que saíram e que nunca mais vi.
naquele corredor, feito de nada, só de portas, descobri o sonho, o frio, o medo: o medo de ter medo, o medo de não ter medo, o medo de dizer que não se tem medo.
o piano vermelho partiu-se, o corredor viu todos partirem e todos me esqueceram lá

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