«Escrever não é agradável. É um trabalho duro e sofre-se muito. Por momentos, sentimo-nos incapazes: a sensação de fracasso é enorme e isso significa que não há sentimento de satisfação ou de triunfo. Porém, o problema é pior se não escrever: sinto-me perdido. Se não escrever, sinto que a minha vida carece de sentido.»
de Paul Auster
"Saber que será má uma obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. […] O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou não me basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida."
de Bernardo Soares

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

"O coração é um vasto cemitério"-Heiner Muller

XIX
hoje reparei que cresciam ramos no telhado, entre manchas de ferrugem distingui ramos secos, afinal, molhados, frios. com um simples esticar do braço, um distraído mover de mão, conseguia pegar em qualquer um daqueles que ramos, que caiam, atingíveis.
sempre alta estivera aquela prateleira, disfarçada entre duas portas corrediças de contraplacado, inatingível. sentada no corredor de alcatifa grená, admirava aquela prateleira. um dia alguém a forrou de oleado florido, no futuro seriam precisos pionés, e noutro futuro acabaria por se rasgar, de vez, o oleado florido.
nas tardes de Inverno admirava aquela prateleira, alta, distante, impossível de escalar, mesmo com um velho banco de madeira encardida.
a alta prateleira guardava, religiosamente, uma lata de folha, cor creme, na qual, uns anos mais tarde, aprendi a ler: bolachas. para quê saber ler? sabia perfeitamente que lá guardavam-se as bolachas maria, torradas e tostadas. sabia perfeitamente que todas as tardes comia duas ou três ou quatro daquelas bolachas. ou até mesmo cinco ou seis.
hoje, que me adianta saber ler e escrever, procuro na mesma lata de folha, cor creme, as letras que posso usar.

1 comentário:

  1. o essencial está para lá das palavras... ainda que respeire na capacidade de ler.
    textaço, amiga! crónica do despertar?!...
    beijos!
    p.s. a propósito, já viste o tema do concurso do público, para este ano? redes sociais... tenho de arranjar um fio para a meada.

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