«Escrever não é agradável. É um trabalho duro e sofre-se muito. Por momentos, sentimo-nos incapazes: a sensação de fracasso é enorme e isso significa que não há sentimento de satisfação ou de triunfo. Porém, o problema é pior se não escrever: sinto-me perdido. Se não escrever, sinto que a minha vida carece de sentido.»
de Paul Auster
"Saber que será má uma obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. […] O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou não me basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida."
de Bernardo Soares

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Sur-Realidades




Fotografia de Berenika

– Tu, quando estás comigo és surrealista.



– Surrealista, simbolista, decadentista… Chovem os sufixos gramaticais, mas esconde-se a matriz semântica.
– Tu, quando estás comigo és surrealista, até porque o papel é permeável a toda a chuva.
– Continuo sem gabardina para resistir à enxurrada, sabes? Até porque as etiquetas sempre me confundiram e a poesia é impermeável. Tu e o teu surrealismo ajudam a entender (me)?...
– Deixa lá, a pele é permeável a toda a chuva. Afinal, o que é o sangue sem a água, a água sem o sangue, o real sem o surreal?
– Às vezes pergunto-me sobre o que está mais próximo de nós: o real ou a sua caricatura – pomposamente etiquetada de surreal? Ei, passas-me o espelho? Não consigo respirar…
– Não encontro o interruptor. [Cegueira total].
– E a pele? A impermeável pele, terá desaprendido de tactear, de alumiar?...
– Deixa-a de molho. Quem sabe encontra os ossos que vestir. Olha, parti o espelho. Crás!
– Oh, e agora? Preciso do vidro. Sabes, é que eu temo a água e o seu reflexo; foi-me dito que derrete os olhos. Já não sei o que é pior: asfixiar ou deixar de ver…
– Destapa o frasco. Bebe o veneno.
– A cortina corre, a luz apaga-se, os aplausos escondem-se no interior das algibeiras. A humilhação é o granizo que lava, hoje, o palco. –



– Queria oferecer-te o que não tenho – o lobo e o cordeiro cabem na mesma veia. Achas que o ar que nos falta é o segredo que os junta?
Toma. Gostas?
É a panela mais silenciosa que encontrei.
– Deixa-me simplesmente fic-ar.
– E a nossa vida enche-se com tudo aquilo que não nos cabe –

Laura Alberto e Jorge Pimenta


Mão Morta-Tiago Capitão

3 comentários:

  1. eu, quando estou contigo, sou surrealista :)

    ResponderEliminar
  2. eu, quando leio voces dois, sou puro espanto


    abraço e beijo

    ResponderEliminar
  3. E eu faço eco ao Assis!

    Que clima fascinante esse! Por que lembrei-me de Jean Cocteau? Talvez por uns diálogos improváveis entre a Bela e a Fera, unidos pelas costas, aos passos de um verbal minueto.

    Beijo.

    ResponderEliminar