«Escrever não é agradável. É um trabalho duro e sofre-se muito. Por momentos, sentimo-nos incapazes: a sensação de fracasso é enorme e isso significa que não há sentimento de satisfação ou de triunfo. Porém, o problema é pior se não escrever: sinto-me perdido. Se não escrever, sinto que a minha vida carece de sentido.»
de Paul Auster
"Saber que será má uma obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. […] O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou não me basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida."
de Bernardo Soares

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

"O coração é um vasto cemitério"-Heiner Muller

XX
entram cavalos pela janela. não me lembro sequer de um dia a ter visto aberta ou fechada, não me lembro de alguma vez a ter visto assim: encoberta pelas portadas de madeira. as mesmas que o tempo tratou de arrancar a tinta, a cor.
sai o fumo invisível pela porta, pela sala, pelas escadas, pela porta que dá para uma rua: aquela onde não corri, não caí, não fiquei à espera que se abrisse a tal porta, debaixo de uma gelada chuva.
mudo os tacos do quarto, um puzzle com várias soluções, mas sobra sempre cimento, cotão, cimento e mais cotão.
abro e fecho os armários, as gavetas, os guarda-vestidos sem vestidos, sem memória.
recolho o que não conheço, não reconheço. tenho um nome, um nome que nunca ouvi, que nunca ouvirei mais, mas que existiu algures entre os dias do calendário.

na verdade, o que entra é frio: a saudade de saber sentir saudade

Fotografia de Pedro Polónio, http://club-silencio.blogspot.com/

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