«Escrever não é agradável. É um trabalho duro e sofre-se muito. Por momentos, sentimo-nos incapazes: a sensação de fracasso é enorme e isso significa que não há sentimento de satisfação ou de triunfo. Porém, o problema é pior se não escrever: sinto-me perdido. Se não escrever, sinto que a minha vida carece de sentido.»
de Paul Auster
"Saber que será má uma obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. […] O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou não me basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida."
de Bernardo Soares

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

morfina


Braga, pormenor, Fotografia de Jorge Pimenta

já não sei quantas vezes
me escorreu dos dedos a tua morte.
ficava imóvel a olhar as mãos como se
em cada linha exangue adormecesse o perdão.
sei lá se deves acreditar…
os poetas vendem sempre os sonhos
que plantaram do lado de fora do coração,

mesmo que com o estore fechado.
deixa que a agulha rasgue a pele,
penetre as veias emaranhadas
jorre o sangue em golfadas
de gozo, de luxúria
até que o corpo arda em orgasmos
e se tolde a imagem em negro.

o fósforo risca a noite e acende o rosto.
tem cara feia, mau hálito e não toma banho.
falta-lhe ser homem,
aguçar o sexo
gastar a saliva na pele olorosa
onde a primavera esconde os segredos
que jasão julgou serem de ouro
[qual quê? apenas gemidos em prosa perdida].
é um poeta. um semi-homem. uma ave quase-louca.

já não sei o que te dizer
parece que todas as palavras arderam.
gastou-se a imagem em bancos de nevoeiro
e o farol queda-se em silêncio
[malditas âncoras, malditas
enrolam-se em sargaço
que vem apodrecer na praia
e o sal não te marca mais o corpo].
bocejam os poetas, esquecidos nos escolhos.

a loucura é a única certeza dos amantes.
o amor é a derradeira mentira dos poetas.
Jorge Pimenta e Laura Alberto


The Legendary Tigerman - Naked Blues

5 comentários:

  1. loucos ou poetas?
    de que lado respira a mentira?
    beijos, amiga! é um gosto escrever contigo, mesmo que num exercício mediado por todas as distâncias.

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  2. É como disse lá np Jorge, Laura: um voo sincrônico, dois pássaros unos, uma beleza de poema que reflete uma profunda escuta de ambos.
    Belo: parabéns!
    Beijos

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  3. essa parceria me fez lembrar de uma canção de Zé Ramalho da Paraíba:

    Parceria é par, é divisão irmã
    É mais que dois colóquios, incestos ou manhãs
    É mais que dois abraços em pedras esculpidas
    Estranhos confidentes ou feras escondidas
    Me dá tua palavra, que eu dou-te minhas mãos
    A espera transitória, efêmera paixão
    Um trâmite no espelho, virou-se mais que antigo
    E a imagem do desejo é a força que persigo
    E os mares dormirão espectros também
    E os últimos varões deixaram-se morder
    A última quimera, diáfanos irmãos
    A fonte nos espera, o ninho das canções
    A fome dos poetas, deixemos as prisões
    A saciar a sede nos cristais da criação


    abraço e beijo

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  4. então lá no Jorge eu disse que essa parceria está de arrasar e merece publicação viu?

    muito prazer (estou aqui pela primeira vez)
    Beijos

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  5. não me canso de vos ler, admiro-vos muito!

    Beijo Laura!

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