«Escrever não é agradável. É um trabalho duro e sofre-se muito. Por momentos, sentimo-nos incapazes: a sensação de fracasso é enorme e isso significa que não há sentimento de satisfação ou de triunfo. Porém, o problema é pior se não escrever: sinto-me perdido. Se não escrever, sinto que a minha vida carece de sentido.»
de Paul Auster
"Saber que será má uma obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. […] O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou não me basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida."
de Bernardo Soares

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

"O coração é um vasto cemitério"-Heiner Muller

XXI
será, provavelmente mais um espelho, de cantos partidos, costas oxidadas pelo tempo, algures deixado sozinho no silêncio que corria, corre e correrá
o grito sairá quase mudo, ensurdecedor perante toda aquela humidade e o cheiro bafiento a esquecimento
erguer-se perante ele e ver a imagem que é devolvida, o troco de toda a brincadeira, sem demora:
não reconhecer a carne que cobre o esqueleto, numerar as veias, uma por uma, que atravessam todo o musculo
não perceber o rosto diante si, duas bochechas mirradas, olhos vazios de água, nariz delgado ornamentado por uma, uma só cicatriz, uma boca de espanto
com um qualquer dedo, tocar o espelho, no sitio preciso do coração. afinal ele bate, sempre, conhecer, reconhecer.
mesmo que os joelhos estejam esfolados, cobertos de sangue seco. mesmo que a pele que veste seja um mapa de nódoas negras e cicatrizes, chegará a hora de sair para o campo, de batalha

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