«Escrever não é agradável. É um trabalho duro e sofre-se muito. Por momentos, sentimo-nos incapazes: a sensação de fracasso é enorme e isso significa que não há sentimento de satisfação ou de triunfo. Porém, o problema é pior se não escrever: sinto-me perdido. Se não escrever, sinto que a minha vida carece de sentido.»
de Paul Auster
"Saber que será má uma obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. […] O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou não me basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida."
de Bernardo Soares

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Manifesto LXXXIX



acumula-se nas prateleiras, organizadamente
o pó que cai, sorrateiro, silencioso
forma montanhas íngremes de dor
assim disposto na madeira, entre
placas e placas de tempo

desenha linhas de rostos, de estradas
de corpos, tu e eu, despidos
sobre uma cama de lençóis brancos,
imóveis, frios

conheço cada um daqueles grãos de pó,
um beijo, uma carícia, um grito
recordo um a um aqueles grão de pó,
um segundo, uma tarde num dia perdido

no canto do quarto, lambo
as feridas, para que se curem
cada grão de pó despoleta uma infecção
sufoco no pó que me cobre o rosto

Fotografia Gilberto Oliveira

1 comentário:

  1. texto e imagem incríveis, laurita. ainda sinto a pele pegajosa a iludir a sujidade invisível...
    beijo!

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