«Escrever não é agradável. É um trabalho duro e sofre-se muito. Por momentos, sentimo-nos incapazes: a sensação de fracasso é enorme e isso significa que não há sentimento de satisfação ou de triunfo. Porém, o problema é pior se não escrever: sinto-me perdido. Se não escrever, sinto que a minha vida carece de sentido.»
de Paul Auster
"Saber que será má uma obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. […] O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou não me basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida."
de Bernardo Soares

domingo, 18 de novembro de 2012

esventrado XXV


ensaio a frio como cortar os pulsos
sentada num frio banco de ferro
a cidade adormecida
pelo menos finge que não vê
e o tempo cola-se nas espaldas
curva as costas, desenha sulcos no rosto envelhecido

uma moeda perde-se aos meus pés
não sou, não estou
não me olhem:
sou trecho fosco absorvido
pelos vossos olhos apressados

há muito que abandonei o banco
onde ainda me julgam
onde ainda juram me ver
há muito que deixei de ser
a suja estátua de pedra
contudo os pássaros ainda pousam na minha mão

Fotografia de Pedro Polónio, http://club-silencio.blogspot.pt/

14 comentários:

  1. Um pouco de calor no frio da cidade...
    Gostei muito, Laura!

    Beijo :)

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  2. Excelente poema.
    Com um final de mestre...
    Laura, querida amiga, tem uma boa semana.
    Beijo.

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  3. És muito mais do que o frio da cidade ou o silêncio da pedra...
    Beijinho

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  4. das ruas, ainda se poderá tirar um pouco de dignidade, quando as estátuas voarem.
    bjs e com saudade das nossas conversas

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  5. não sou, não estou
    não me olhem:
    sou trecho fosco absorvido
    pelos vossos olhos apressados

    Laura, não faz tanto tempo assim que me tornei mais íntima da tua poesia. E é uma alegria ter uma poeta que me toque tão dentro de mim como fazes. Te ler faz amplitudes em mim.
    Beijos,

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  6. Que texto nostálgico... Me lembra de quando encontrei moedas sotlam pela rua, mas não quis apanhá-las por achar que renderiam menos do que o tempo que iria despender em apanhá-las... Mas meu tempo não valia nada.

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  7. ah esses pássaros que teimam e ainda tem aquele blue bird


    beijjo

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  8. É preciso saber se o pouso é em busca de novo voo ou se de migalhas do que já não se tem...

    Sempre tão densa e inquietante a sua escrita.
    Sempre!

    Gosto tanto.

    Beijoss :)

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  9. Foda! De estremecer, bem como gosto.

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  10. Há sempre pássaros na mão da estátua,
    na praça, há sempre pássaros assustando o dia.

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  11. Lindo! "sou trecho fosco absorvidos pelos vossos olhos apressados"...adoro. Beijinhos

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  12. Creio que os pássaros estão a convidar para um novo voo.
    Beijos, Laurinha!

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  13. se há pouso, há voos acontecidos!

    beijo, amiga poeta!

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