então, mandaram vir os médicos
mil médicos vieram e nada disseram
então, mandaram vir os físicos
mil físicos chegaram e rastos de nada encontraram
então, chegou a mensagem aos alquimistas
mil alquimistas morreram pelo caminho
as mulheres carpiam, soluçavam
no frio quarto adjacente ao seu
durante todo o tempo chovia
e o frio ganhava lugar no pele, na carne e por fim nos ossos
deixaram então de procurar
primeiro veio o silêncio da sua voz
os gemidos desapareceram debaixo do cantar da chuva
acenderam-se as lareiras
as mulheres cobriam o corpo com sujas mantas de lã
abafavam o rosto com negros véus
na solidão dos corredores:
o estalar da pele
o mirrar da carne
os ossos torcendo-se
rasgando músculo, deslaçando tendões
os lábios secos num sorriso moribundo
o sangue escorrendo lento pelo que resta do rosto
então a chuva parou
e os sinos tocaram
chamaram os coveiros
chamaram os padres
chamaram os bruxos
chamaram as beatas
todos foram chamados, mais de mil
pesadas pás ferrugentas
jogaram-lhe mais de mil pazadas de terra
uma a uma ouviu-as cair
um baque surdo sob as tábuas
depois terra sobre terra sobre pedras sobre terra
de olhos bem abertos abraçou a escuridão
afagou o fato preto de fazenda:
esperava
o meu homem
cessou no passado
«Escrever não é agradável. É um trabalho duro e sofre-se muito. Por momentos, sentimo-nos incapazes: a sensação de fracasso é enorme e isso significa que não há sentimento de satisfação ou de triunfo. Porém, o problema é pior se não escrever: sinto-me perdido. Se não escrever, sinto que a minha vida carece de sentido.»
de Paul Auster
"Saber que será má uma obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. […] O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou não me basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida."
de Bernardo Soares
mil médicos, mil físicos, mil alquimistas, não são capazes de curar o homem que mora ( e morre sempre) no passado.
ResponderEliminarbj, da fã de L.A
Uma balada muito forte, não encontro agora palavras para lhe responder, mas digo-te: gostei de ler.
ResponderEliminarBeijos, boa noite e bom resto de semana.
segui esta balada até ao último silêncio...
ResponderEliminarbeijo, Laura!
tu escreves cada vez melhor, extasiante
ResponderEliminarbeijo
Assino em baixo.
EliminarNossa Laura.
ResponderEliminarImpactante como sempre. Adorei essa balada até o fim.
Beijos.
- amém.
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ResponderEliminarSó faltou chamar o abafador, para demorar menos tempo...
Uma escrita desconcertante.
E excelente.
Querida amiga, tem uma boa semana.
Beijo.
No silêncio da sua voz
ResponderEliminara poesia grita.
Vertiginosa tua escrita, Laura! Impossível passsar incólume por ela.
ResponderEliminarBeijos,
mil arrepios, mil arrepios, mil arrepios... depois respirei!
ResponderEliminarBeijo, poeta de lira intensa!!