«Escrever não é agradável. É um trabalho duro e sofre-se muito. Por momentos, sentimo-nos incapazes: a sensação de fracasso é enorme e isso significa que não há sentimento de satisfação ou de triunfo. Porém, o problema é pior se não escrever: sinto-me perdido. Se não escrever, sinto que a minha vida carece de sentido.»
de Paul Auster
"Saber que será má uma obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. […] O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou não me basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida."
de Bernardo Soares

segunda-feira, 26 de março de 2012

purgatorium XVII


Deixei de amarrotar as folhas de papel em bolas de aguçadas pontas. Lentamente foram despovoando o soalho de madeira, dando lugar ao pó, um pó fino e cinzento, como testemunho do tempo vagaroso.
Ainda ouvi os seus ecos durante as noites, abafados pelo negro do ar. Distinguia, nitidamente, os ruídos estridentes da sua morte nas primeiras horas da manhã.
Vieram as chuvas, a estação do frio. Veio o vento seco, a estação do calor. E chegaram finalmente os incêndios, agora resto eu: cinza, só.
Fotografia de Laura Alberto

11 comentários:

  1. [como se o tempo tomasse do corpo,

    o eixo dum compasso,
    o despojo dum só traço.]


    Leonardo B.

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  2. Há que ser uma Fênix!, para retornar dessa forma tão brilhante!

    um beijo :)

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  3. Para simplificar, direi que todos somos cinza.
    É tudo uma questão de tempo, para os mais cépticos (ou optimistas, já nem sei).
    Continuo a gostar dos teus textos, embora sonbrios...
    Beijos, querida amiga.

    PS: ainda não conseguiste retirar as letrinhas de verificação... irritam-me...

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  4. «Lembra-te que és pó e ao pó hás- de voltar».
    Muito bom!
    Beijo grande
    ( quanto às letrinhas...eu também tenho o chrome e o novo perfil do blogger e vou às definições de mensagens e comentários e coloco Não, quando volto lá já está no sim apesar de guardar as alterações :S
    Fico sem saber se também no meu aparecem as boas das letrinhas....
    Querem-nos robotizar à força :)))

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  5. Laurinha, querida!

    Se tu seguires essa série Purgatorium até o número 10.000.000... serei uma leitora grata!
    Tamanha a intensidade e franqueza que consegues aqui. Fico envolta em palavras que me acendem um "algo" na literatura. E gosto muito! Difícil sentir-se cinza com teus textos, mas fácil sentir-se lenha ardendo. (e isso foi um elogio)

    Beijos e ótima semana!

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  6. Ah! Já ia me esquecendo...
    percebi que ótimas fotos não são só privilégio do Jorge Pimenta. Esta tua está maravilhosa!
    Vocês dois têm um olhar sobre as coisas... magnífico.

    Beijinhos!

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  7. Laura Alberto!

    Amo seus escritos que soam como mágico instante para mim. Antigamente era assim que eu eswcrevia, até que me chamaram a atenção, e eu boba, parei.

    "E chegaram finalmente os incêndios, agora resto eu: cinza, só."

    LINDO DEMAIS. Chega a doer.

    Beijos

    Mirze

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  8. o crepitar de intensos incêndios formam sempre mistérios desenhos no ar...

    beijinho, querida Laura!

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  9. Não sei se foi discípula de Jorge. Ambos escrevem de maneira espantosamente singular que me encantam.
    Que renasçam as folhas de papel com as bolas sem pontas.

    Beijos.

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  10. amarrotar folhas de papel... no seu combate contra as cinzas (ainda que de demónios diferentes dos do sujeito lírico dos teus versos), mulder (recordas-te dele?...) afiava pontas de lápis que projetava contra um teto de cortiça. horas a fio, enquanto tudo passava, tudo menos o seu olhar que ali se depunha em silêncio.

    beijinho!

    p.s. esta tua foto está soberba! adoro a profundidade deste chão que parece abrir-se em espelho de água diante dos olhos.

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  11. - só me resta levantar e aplaudir.
    clap, clap, clap, clap...

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