«Escrever não é agradável. É um trabalho duro e sofre-se muito. Por momentos, sentimo-nos incapazes: a sensação de fracasso é enorme e isso significa que não há sentimento de satisfação ou de triunfo. Porém, o problema é pior se não escrever: sinto-me perdido. Se não escrever, sinto que a minha vida carece de sentido.»
de Paul Auster
"Saber que será má uma obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. […] O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou não me basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida."
de Bernardo Soares

quinta-feira, 1 de março de 2012

purgatorium V


















Fotografia de Laura Alberto


Um dia deixei de comprar o jornal. Assim economizaria uns trocados, deixaria de sujar as mãos, e também não me iria tornar numa vendedora de castanhas. Por isso, o jornal era perfeitamente dispensável.
As notícias deixaram de me interessar, de nada e em nada me afectavam. Não que vá cair na frase feita de que, são noticias de ontem, apenas tinham deixado de ser importantes nos meus longos dias, que se iam estendendo pela breve eternidade que me restava, dolorosa na minha mente.
Ainda li folhas esquecidas ao acaso pelas ruas da cidade, enquanto esperava pelo autocarro. Ainda fiz o papel de parasita, ao ler as notícias que o passageiro do banco da frente me oferecia involuntariamente.

Depois?, depois desisti. Desisti do mundo, de todos.
E no fundo desisti de mim.
Eu? Desconheço-me.

4 comentários:

  1. Esse conflito é de cada um que reflete sobre a sociedade.


    F. Otávio M. Silva
    http://www.surfistadebanzeiro.com

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  2. o verdadeiro jornal não é o que suja as mãos ou o que fala da vida; é as mãos e a vida que constroem, assim simples, por vezes sem cor, mas nossa e única, a que não sabe que existe, sequer, o verbo "desistir".

    beijo-te as mãos, laura!

    p.s. o jornal o despertar sei que não deixaste de ler :)

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  3. Pessoa não se dizia um conhecedor de si, mesmo assim ainda foi quem foi.

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  4. Eu gosto de jornais, dos papéis, das notícias envelhecendo mais rápido que as palavras, as palavras que nos traduzem os conflitos, as oscilações de humor, de sabor, de dor e até de amor.
    Interessante o seu texto. Inquietante. Vai direto ao ponto, no ponto dos conflitos e das ambivalências que a gente tem. E como tem!

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