«Escrever não é agradável. É um trabalho duro e sofre-se muito. Por momentos, sentimo-nos incapazes: a sensação de fracasso é enorme e isso significa que não há sentimento de satisfação ou de triunfo. Porém, o problema é pior se não escrever: sinto-me perdido. Se não escrever, sinto que a minha vida carece de sentido.»
de Paul Auster
"Saber que será má uma obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. […] O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou não me basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida."
de Bernardo Soares

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

"O coração é um vasto cemitério"-Heiner Muller

XII
naquele dia o tempo tinha parado: olhava pelos vidros sujos: tudo imóvel, suspenso. teria realmente o tempo parado? continuava a olhar: tudo brando. olhar à volta: sentir o silêncio. apenas uma formiga passeia no beiral do aquecedor. todas as partículas repousam suspensas no ar. todas as nuvens perderam os seus braços.
será que já acordei: que já tomei banho: que já saí de casa?
será que ainda estou a dormir: fingindo que estou acordada, dormindo?
naquele dia o tempo tinha parado: os pêndulos dos relógios congelaram: o sol queimava: o frio queimava.
do vidro via a mesma imagem: absoluto repouso, ruído silencioso e vento. o vento continua a correr: seco, húmido.
naquele dia o tempo tinha parado: alguém terá dado corda às flores: e tudo seguiu.

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