I
encontro uma caixa de fósforos
esquecida entre o forro da mala
e há tanto tempo que deixei de fumar
II
deito o corpo sobre a cama
vazio de ti, disforme
pele enrugada à espera
III
sinto o hálito doce
o teu corpo debruçado
perante a nudez arrepiada
IV
tardes frias de primavera
hotéis esquecidos
quartos imundos repletos de odores nauseabundos
V
grossos dedos, língua quente
molda-se a carne
pelos ossos que não lhe pertencem
VI
elevam-se montanhas de feno
afundam-se vales de sangue
mergulho no profundo de mim
VII
acendo um cigarro
prometo que será o último
não tarda encontro-te novamente
VIII
sim, não tarda encontro-te novamente
ou finjo que te encontro
no fim desta estrada
«Escrever não é agradável. É um trabalho duro e sofre-se muito. Por momentos, sentimo-nos incapazes: a sensação de fracasso é enorme e isso significa que não há sentimento de satisfação ou de triunfo. Porém, o problema é pior se não escrever: sinto-me perdido. Se não escrever, sinto que a minha vida carece de sentido.»
de Paul Auster
"Saber que será má uma obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. […] O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou não me basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida."
de Bernardo Soares
Um objeto, pequena célula da memória, que volta...
ResponderEliminarBeijos,
encontrar, desencontrar, ir, partir: será que a mala tem um fundo falso?
ResponderEliminarbeijo
Me fez viajar alguns atrás, quando eu ainda pensava ser feliz, mesmo tendo sido tão enganado. Doeu, mas fez bem.
ResponderEliminarParabéns pelos trechos.
Lindos e tão calmos, que deu vontade de cantá-los <3
Há muito que, também, parei de fumar.
ResponderEliminarMas as memórias, guardadas em caixas de fósforo, teimam em ficar.
Não sei quem é mais falso, se o fundo da mala ou se acha perdido por lá.
ResponderEliminarPerdão, mas esse poema merece um puta que pariu, 3 vezes
bom demais!!!!!!!!!!!
E, se não houver fim da estrada, risca-se mais um fósforo...
ResponderEliminarClasse A! Gostei mais do VI.
ResponderEliminarsobras de nós se amontoam... e pra quê?
ResponderEliminarbeijo, poeta!