«Escrever não é agradável. É um trabalho duro e sofre-se muito. Por momentos, sentimo-nos incapazes: a sensação de fracasso é enorme e isso significa que não há sentimento de satisfação ou de triunfo. Porém, o problema é pior se não escrever: sinto-me perdido. Se não escrever, sinto que a minha vida carece de sentido.»
de Paul Auster
"Saber que será má uma obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. […] O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou não me basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida."
de Bernardo Soares

terça-feira, 27 de março de 2012

purgatorium XVIII


Agora durmo tranquila de noite, o seu bafo tornou-se inexistente. O seu murmúrio calou-se, sufocado em soluços.
Já não consigo ver a cidade, ouvi-la, sentir o seu odor. Tenho quase a certeza que se a observasse agora, como outrora, nua e estendida diante dos meus olhos, já não a reconhecia. Talvez seja esse o motivo que me obriga a manter as cortinas corridas, os estores fechados.
Se a visse agora, nem saberia que a via.
Agora tudo, tudo é apenas mera palavra, escrita com o alfabeto que me ensinaram, mas apenas uma sequência vazia de letras e vogais.
[o vazio está aí, caminha para aqui]
Já não tenho medo: do tempo, do dia, da noite, da enfermidade, de ter fome, de ter sede, do ontem, do amanhã, do hoje.
Já não tenho medo de nada, tenho só medo de mim.
Fotografia de Man Ray, Venus Restaure, 1936

15 comentários:

  1. [penso que agora consegui eliminar a verificação de palavras, PENSO! depois digam-me se o consegui ou não, obrigada a todos]

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  2. " Homem lobo do próprio homem".
    Por vezes também me assusto comigo mesma, mas depois abro os olhos , vejo os meus filhos e a cor volta à vida.


    Já não há palavrinhas !!!!

    Beijoca

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  3. Laurinha,
    somos todos fera escondida, não é mesmo?
    Em constante purgatório de nós...

    Beijinhos!

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  4. Laurinha,
    ok! Sem as letras de verificação!
    Beijos

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  5. Sabe, Laura, acho que dormir tranquila(o) é um privilégio.
    Já ouvi de um combatente camarada aqui nestas bandas que não conseguia dormir com os ruídos de fora e não falava dos ruídos urbanos, mas dos humanos.
    e diante de momentos as palavras são mesmo uma sequência vazia
    e os olhos se fecham e abrem e outras reações expulsam os medos e não tememos mais a fome, o dia, o tempo...

    fico aqui lendo a última frase e olhando a foto

    beijos, querida Laura

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  6. Sabe, Laura, acho que dormir tranquila(o) é um privilégio.
    Já ouvi de um combatente camarada aqui nestas bandas que não conseguia dormir com os ruídos de fora e não falava dos ruídos urbanos, mas dos humanos.
    e diante de momentos as palavras são mesmo uma sequência vazia
    e os olhos se fecham e abrem e outras reações expulsam os medos e não tememos mais a fome, o dia, o tempo...

    fico aqui lendo a última frase e olhando a foto

    beijos, querida Laura

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  7. Laura querida, vesti teu poema e me coube exato. Há em mim um criminosa que me mata, sempre.
    Bj imenso

    Aquela imagem ganhei de presente de um amigo, que me pediu um poema. Levei uma semana para escrevê-lo, de tão aterrorizada com a imagem, mas tb seduzida.

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  8. Laurinha,
    nem te preocupes em comentar lá no Humoremconto. Aqui também estou com tempo para quase nada, o que me ajuda, se posso dizer assim, é minha insônia, que permite que eu visite os blogs que gosto pela madrugada!
    Beijos e ótimos dias!
    Obrigada.

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  9. Esta veste que fizestes, cabe-me como luva.

    Belíssimo, Lauríssima!

    Beijos

    Mirze

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  10. Laura
    A gente sempre se sente assim.
    Quando conseguimos expurgar o barulho urbano, vemos fantasmas
    de nós mesmos.

    Bjs

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  11. laura,
    quando fechamos os olhos, deixamos de ver, mas nem por isso conseguimos deixar de ser vistos...

    beijinho!

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  12. é sublime como existe naturalidade na sua maneira de expressar, muito embora a dor e o medo lhe sejam as maiores opções.

    é possível senti-la, Laura, suspirando e balbuciando cada uma de suas palavras, mesmo que a leitura seja a única alternativa para saber de seus preceitos e declarações.

    mas saiba que no medo de si mesmo repousa a alma que quer viver, sempre e sempre.

    grande abraço.

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  13. O tempo cura o medo...
    Gostei de descobrir este blog, vou voltar... :)

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