«Escrever não é agradável. É um trabalho duro e sofre-se muito. Por momentos, sentimo-nos incapazes: a sensação de fracasso é enorme e isso significa que não há sentimento de satisfação ou de triunfo. Porém, o problema é pior se não escrever: sinto-me perdido. Se não escrever, sinto que a minha vida carece de sentido.»
de Paul Auster
"Saber que será má uma obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. […] O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou não me basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida."
de Bernardo Soares

segunda-feira, 12 de março de 2012

possível elegia a um anjo sem nome, mas também anjos não existem

















[Fotografia de Laura Alberto]

conquistamos a calçada suja
com os nossos passos sem rumo,
debaixo de estações que nos escorreram pela pele:
o sol que nos traçou linhas no rosto
a chuva que nos matou a sede

tomamos a cidade nossa, construímos casas
com flores roubadas dos jardins:
eu esperava por ti no meio da rua ao som de apitos
tu encontravas-me sempre na minha mesa no café
e juntos fumávamos um só cigarro

hoje, estou na tua rua, à tua porta:
tua casa é agora um prédio devoluto
onde nem os pássaros lhe pousam,
restam poucos vidros nas janelas
e das cortinas já nem a cor se lhes conhece

os jardins foram substituídos por granito
uma extensa língua de paralelos a unir os extremos
e nem uma erva cresce nos espaços ínfimos
a paragem já não existe
os bancos de madeira foram removidos,
substituídos por cadeiras individuais de ferro 
as estátuas são as mesmas, frias, inertes,
mortas
e o relógio bem que podia ter parado

não volto aqui, sem saber o
nome dos versos que escreveste
na concha das tuas mãos

7 comentários:

  1. De uma beleza pungente este post!
    "e o relógio bem que podia ter parado"
    Há coisas que deveriam permanecer estáticas ...
    Resta-nos a memória.
    Gostei muito

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  2. Que triste e lindo!

    Deve ser horrível olhar um jardim onde havia bancos que abrigava dois amigos, agora cadeiras longínquas. E as flores que não brotam.

    Lindo demais.

    Parabéns, Laura!
    ]
    Beijos

    Mirze

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  3. Você já leu A Fera na Selva, do Henry James?
    O seu texto poderia estar nele e, no momento, duro e inquestionável de que é preciso também manter a lucidez.
    Bonito, Laura. Forte. De verdade.
    beijos

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  4. como diria aquele argentino, eu não acredito em anjos.
    mas que eles existem, existem....

    beijão do

    roberto.

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  5. Laurinha,
    e alguém dúvida que existam anjos?
    Hummm... , pois creio que um deles te inspirou neste Poema!
    Lindo, lindo!

    Quando duas pessoas voltam a ser apenas uma, o anjo cai sem asas...

    Beijos e ótimos dias!

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  6. hahaha!
    Agora li o comentário do Roberto, estou rindo por aqui sem parar, hahaha!
    "No creo en brujas, pero que las hay, las hay" - disse Borges.
    Mas gostei, senhor Roberto, antes pensar em anjos (de preferências os bonitos), do que em velhas e horrorosas bruxas! hahaha!

    Beijinhos

    Inspirador teus escritos, para o amor e o humor, Laurinha!

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  7. Ah! Laurinha, eu de novo...
    já ia me esquecendo...
    que foto maravilhosa essa tua!
    parabéns!

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