«Escrever não é agradável. É um trabalho duro e sofre-se muito. Por momentos, sentimo-nos incapazes: a sensação de fracasso é enorme e isso significa que não há sentimento de satisfação ou de triunfo. Porém, o problema é pior se não escrever: sinto-me perdido. Se não escrever, sinto que a minha vida carece de sentido.»
de Paul Auster
"Saber que será má uma obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. […] O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou não me basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida."
de Bernardo Soares

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Polaroid 42

as tardes à beira-mar

a tarde pousou a sua cortina nos nossos olhos. abafado
nos nossos olhos fechados, sob o sol impiedoso
descubro o teu peito, move-se lentamente para deixar o ar ser
apenas uma réstia de vento que náufraga na tua pele

fechamos os olhos perante a tarde que se estende. abafado
pela areia suja, pelos gigantes dos rochedos que escondem o mar salobro
os primeiros passos de uma criança, os seus pés delicados no cimento rude:
pára, imóvel, silenciosa e aponta

a tarde cai aos nossos pés e um dedo de criança aponta o céu azul
o primeiro odor do sargaço a secar provoca-me náuseas
e um dedo de criança aponta o céu azul
digo. não, penso: descobriu a linha que nos separa


Fotografia de Pedro Polónio, http://club-silencio.blogspot.com/

3 comentários:

  1. Uau! O sentir-se vencido versus os olhos que veem além.

    Excelente!

    Beijo.

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  2. Raquel,

    Gostei muito deste poema!
    Fluido e intenso, curto, mas salgado.

    Beijão!

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