«Escrever não é agradável. É um trabalho duro e sofre-se muito. Por momentos, sentimo-nos incapazes: a sensação de fracasso é enorme e isso significa que não há sentimento de satisfação ou de triunfo. Porém, o problema é pior se não escrever: sinto-me perdido. Se não escrever, sinto que a minha vida carece de sentido.»
de Paul Auster
"Saber que será má uma obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. […] O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou não me basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida."
de Bernardo Soares

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Polaroid 30

A poda

interromperam o trânsito naquela rua
de pé, o agente cruza os braços no fim das costas
o barulho das serras eléctricas
leva o serrim compacto nas massas de vento
sente-se o cheiro a madeira, nova, cortada, violada

o ramo cai com grande alvoroço, levantam-se:
todas as folhas,
todos os pedaços de madeira
todos os gritos, abafados no peito
toda a cobardia, que mora na mente dos homens

morre assim aquele ramo,
pedaço de uma árvore,
de todos os miúdos de pé descalço que brincavam nas suas raízes

mais à frente
os braços vazios de camisolas coloridas
enrolam-se em nós contrafeitos



Fotografia de Laura Alberto

1 comentário:

  1. Laura,
    tenho sempre dificuldade em comentar os teus poemas, talvez porque a dor não me seja estranha e eles têm uma grande dose de sofrimento.
    "mais à frente
    os braços vazios de camisolas coloridas
    enrolam-se em nós contrafeitos" - tens aqui uma imagem ao mesmo tempo forte, acutilante e bonita.
    beijo

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