«Escrever não é agradável. É um trabalho duro e sofre-se muito. Por momentos, sentimo-nos incapazes: a sensação de fracasso é enorme e isso significa que não há sentimento de satisfação ou de triunfo. Porém, o problema é pior se não escrever: sinto-me perdido. Se não escrever, sinto que a minha vida carece de sentido.»
de Paul Auster
"Saber que será má uma obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. […] O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou não me basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida."
de Bernardo Soares

domingo, 8 de julho de 2012

desAlinhado XXX



respondo a um acenar de braço do outro lado da rua
busco o sorriso mil vezes ensaiado de fronte do espelho
e falo, mantenho um dialogo simpático e afável

ah, maldito tempo que me atraiçoas
forçando-me a um papel que me cansa
desejo um rápido aperto de mão, os dois beijinhos de praxe

por que não se esquece o tempo de mim?
Por que teima em marcar as suas passadas na minha mente exausta?
Por que não me deixa esquecer de mim?

só quero atravessar a rua, para o meu lado do passeio
só quero saber esquecer-me de mim

[todas as palavras, todos os gestos, todos os gritos, todos os silêncios, todas as inacções, todas as partidas, todos os regressos, todas as vozes, todas as carícias, tudo é apenas nada]

toda a maldição de uma vida vazia

15 comentários:

  1. Não é a altura, nem o peso, nem os músculos que tornam uma pessoa grande, é a sua sensibilidade sem tamanho.
    (Martha Medeiros)

    Cumprimentos

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  2. Só é possível chegar do outro lado da rua atravessando-a. E essa travessia pode ser difícil. É preciso ir com cautela e muita observação. E isso você parece já ter bastante!

    Bjos

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  3. Para chegar do outro lado da rua, é preciso atravessá-la. E essa travessia pode ser difícil, mas também pode ser fácil. É preciso ter cautela, paciência e uma boa observação, tanto do que se passa na rua quanto o que se passa no seu coração.

    Bjos

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  4. "desejo um rápido aperto de mão, os dois beijinhos de praxe"... é isso, sim, por vezes deseja-se o anonimato, o passar por entre as gotas da chuva... ou do tempo!
    Intenso e verdadeiro, gostei muito.
    Beijos

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  5. é insatisfação a que chamamos vazio... vazio só existe em quem não tem voz transbordante... e a tua chega até aqui!!

    Beijinho, amiga poeta!

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  6. Há qualquer coisa enigmática em quem não tem tempo para nada e se queixa da vida vazia... Palpita-me que seja o desconhecimento de um princípio deveras simples: quem aprende a ser feliz com o que tem, ainda que não deixe de querer mais e melhor, é mesmo feliz.
    Porque toda a gente tem dificuldade de atravessar as ruas para o outro lado, excepto aqueles que, fraudulentamente, fazem com que o outro lado da rua venha até eles...
    A tua sorte é que eu sou psicólogo, sociólogo e outras coisas mais (até padre, de vez em quando, embora agnóstico) e dou-te estes conselhos poéticos de graça... e não treines o teu sorriso à frente do espelho... ouve o que ele tem para te dizer...
    Laura, querida amiga, desejo que tenhas uma boa semana.
    Beijo.

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  7. "Forçando-me a um papel que me cansa"

    Que delícia ler você... e por vezes eu só queria ser aquela borra de café disforme no fundo da pia... Suas palavras me marcam.

    Beijo!

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  8. a rua, as vezes, se torna um verdadeiro Saara, quando só o que queremos é atravessá-la sem ser vista.
    Bj grande, minha poetamiga

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  9. esse vazio que te cansa
    vaza de ti tanto encanto
    ...


    beijo carinhoso.

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  10. Laura, o tempo é uma pele. Só nos deixa quando apodrece.
    Beijos, menina talentosa!!

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  11. as vezes também desejava ser pedra e não ter que sentir...poema que expressa o conflito de ter que sentir e ser alguém - e que poema!

    beijos

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  12. Observa-se o alvo e aprende-se a lidar com o que há entre o ser e o querer. É a vida que requer força, mais vida e ousadia!

    Adorei.

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  13. Laurinha,
    no mínimo instigante!

    Não existe um 'nada' quando já somos um pedaços, mesmo que em pedaços.

    Beijos!

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  14. Laura, és tudo menos vazio!
    Gostei muito do poema! Mesmo!

    Beijo (um só, não são os dois da praxe!)

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  15. O nada talvez pode se tornar tudo. Tente atravessar a rua com longas passadas sem querer esquecer quem tu és.

    Um assombro. Adorei.
    Bjs.

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