XXI
No silêncio da sala, na escuridão
fria que me envolve, recordo as casas em que vivi e onde hoje sou fantasma na
imensidão das noites.
As altas e baixas paredes. As
cores vivas, desbotadas nas tintas e no papel de parede. O sótão proibido. As
escadas traiçoeiras. Os quintais e os jardins. A casota. Os animais. Os cães. A
roupa branca a corar na erva. Os tanques de águas sujas, de águas limpas. O
barulho dos plásticos acariciados pelo vento forte. O último rodar dos dentes
no metal da fechadura. Uma chave acobreada, arrumada numa caixa de lata.
[Como chovia quando de mim fugias
e eu via a tua imagem diminuir entre as grades da janela. Nessa altura ainda
sabia rezar.]
Agora, saem do seu lugar nos
mapas: dos largos, da rua, do lugar. Ocupam um espaço livre na minha mente que
eu visito quando me lembro. Na realidade visito-me a mim, criança sem medo, com
a incerteza do amanhã.
Fotografia de Leonardo B., http://odiariodasausencias.blogspot.pt/
[ Deixo ficar o meu sincero agradecimento ao Leonardo B. dos blogues:
que me deu a liberdade para usar as suas fotografias.
Conhecendo eu o trabalho do Leonardo,nomeadamente pelo blogue onde publica textos de sua autoria. Sempre achei que as minhas palavras não fossem merecedoras do seu trabalho. Contudo fui surpreendida, não só pela sua permissão, mas também pela sua amizade. Obrigada Leonardo.]
Compreendo-te, é bom ser criança sem medos e sem incertezas... Faz parte do "preço" do crescer...
ResponderEliminarvisitar-se no melhor que há do passado...
ResponderEliminarbeijinho com carinho, Laurinha amiga poeta!
Tão Grato, Raquel
ResponderEliminarpor mutuamente nos permitirmos que essa incondicionalidade que se transporta na amizade nos incite a trocar as voltas às linhas das fronteiras, aos impossíveis, e nelas deixar fluir o que sabemos reter nas imagens, nas palavras... "deixando-as ir", libertas e sem condições: tão grato fico por recolher essa incondicionalidade e devolvendo-a em igual medida, na medida possível que contenha
Um imenso abraço, Raquel
Leonardo B.
A escuridão, as paredes, os quintais, os sótãos, as escadas, eis elementos comuns a todos nós. O que fazer com eles é um desafio individual, a não ser quando as paredes são comuns. E muito há a fazer, cada vez há mais paredes, cada vez há mais sombra. Paradoxalmente, talvez essa seja uma boa forma de nos começarmos a ver.
ResponderEliminarBeijo :)
Esta poema desperta meus silêncios...
ResponderEliminarleio e releio, e sinto os dedos finos e frios do tempo a acariciarem meu peito por dentro... o que é bom e dói.
toda esta série purgatorium é de uma densidade palpável e instigante.
perfeito o casamento com a imagem do Leonardo, amigo dos mais amados, alma das mais imensas que eu já percebi...
fico feliz com esse encontro ;)
beijinho, querida poeta!
Laurinha,
ResponderEliminarlindo!
Nós somos nossas próprias casas, todas elas, todas as malditas e benditas paredes que já nos aprisionaram ou protegeram.
Beijinhos, te cuida!
tudo muito tocante por aqui...
ResponderEliminarsão essas visitas a nós próprios, crianças, que nos aproximam do que não queremos perder, ainda que seja um fio de memória que nos faça acreditar...
ResponderEliminarbeijinho, querida Laura!