«Escrever não é agradável. É um trabalho duro e sofre-se muito. Por momentos, sentimo-nos incapazes: a sensação de fracasso é enorme e isso significa que não há sentimento de satisfação ou de triunfo. Porém, o problema é pior se não escrever: sinto-me perdido. Se não escrever, sinto que a minha vida carece de sentido.»
de Paul Auster
"Saber que será má uma obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. […] O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou não me basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida."
de Bernardo Soares

segunda-feira, 23 de abril de 2012

desAlinhados

XXIII
o último fio a cortar
é aquele mais espesso, aí
no sítio onde te encontras,
grosso, cinzento
o que apresenta uma irregular textura
onde já não corre o sangue, a lágrima
solitária

o último fio a cortar
as mãos fechadas
as narinas que se dilatam
um enrugar da linha das sobrancelhas
lábios finos, dentes cerrados
um ranger continuo

o último fio a cortar:
a memória será traição no futuro

Einstürzende Neubauten - Alles

8 comentários:

  1. a memória é uma raiz suspensa no vácuo,



    beijo

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  2. Romper laços para esquecer, às vezes atiça mais a memória, esse ser de vontade própria.

    Adorei o poema!
    Beijo.

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  3. Laura, este poema é bom demais... verdade, o último laço é sempre o que nos retém, o que fica, ainda que venha o esquecimento...
    a memória será traição no futuro... será sempre?

    beijinho!

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  4. Laurinha,
    esse último fio a cortar..., talvez com uma boa faca e de uma vez só, num único suspiro, mesmo que na memória fique. Mas como seletiva é, também poderá ficar a lembrança do corte do último fio, para nosso consolo.
    Beijinhos e ótima semana!

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  5. poema mais afiado que faca de dois gumes.

    beijo, poeta!

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  6. fiquei a pensar nisto...
    saberei cortá-los?

    beijos!

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  7. a ideia da memória como fio que aponta ao futuro é das ideias mais poéticas que já ouvi. só mesmo desta tua lira tão certeira, amiga!
    e este alles, de neubauten... foi pela tua mão que lhes cheguei e, apesar da estranheza inicial, esta faixa foi "agarração" à primeira vista :)

    beijo!

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  8. Assim caminhamos anestesiados até o último fio da memória que nos sucumbirá. Mas, podemos moldar a textura? delinear as sobrancelhas? emendar o último fio?

    Laura, lindo poema
    bjs

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