Não podes passar o dia todo aqui
sentada, dou comigo a falar comigo própria. Em silêncio, uma consciência que se
esbate com o passar das horas.
Tinha me esquecido de dar corda
ao relógio da sala, de correr as cortinas de pano grosso, de abrir as janelas,
de como se articulam os lábios, de mudar a água nas jarras, do lixo que se foi
acumulando, da entoação de uma pergunta, da afirmação de uma resposta, de como
se fala, falando simplesmente.
A decisão de ir à casa de banho,
procurar o meu reflexo num ínfimo espelho, arrumado algures no fundo do móvel.
Ainda reconheço as mãos, ainda que envelhecidas, enquanto limpo o pó acumulado
numa das faces do espelho.
Do lado de lá alguém prisioneiro,
conto as rugas: uma, duas, três, quatro. Cansaço. Identifico cada um dos sinais
escuros que começaram a crescer quando me fechei aqui.
Uma mancha escura cresce debaixo
da linha dos olhos e mistura-se com o tom de pele escurecida. Olheiras. Encontro
um cigarro meio fumado, mas não sei onde deixei o isqueiro.
Retorno à sala, com o cigarro
apagado apertado entre os lábios. Finjo que o fumo, consigo ver o fumo subir em
espirais pelo ar saturado que enche o espaço fechado da sala.
Talvez devesse ir ter com a minha
gente, procurá-los lá fora, mas desconheço a localização precisa da saída.
Ainda me ouço, sabes usar a tua
sombra que se alonga pelas paredes, para descobrir que estás, simplesmente à
espera: morta? E que sangue é este que me circula inconsequente?
Fotografia de Pedro Polónio, http://club-silencio.blogspot.com/
Fotografia de Pedro Polónio, http://club-silencio.blogspot.com/
minha voz vestiu esse monólogo... coube direitinho!
ResponderEliminarbeijinho carinhoso, minha queria amiga!
- é o sangue que anuncia que ainda há vida... que ainda há vida.
ResponderEliminarps: concordo com a joelma. declamando isso como um monólogo de teatro seria sublime.
grande abraço.
Laura, se não tivesse sua assinatura, eu diria que andei me confessando por aqui.
ResponderEliminarHá sempre um pé no purgatório e outro no inferno, entre os dois, o sangue atrevido.
Adorei saber do seu encontro com esses caras geniais (Jorge e Roberto). Acredito que a linguagem poética precisa sair do papel, da tela, da cabeça e embriagar verdadeiramente o homem. Tocá-lo nos olhos, nos abraços, nas vozes que cantam seu canto e pra isso, nada melhor do que promover essas materializações da poesia mais que viva - os poetas.
Bj grande
enquanto circula o sangue, soluçam as veias
ResponderEliminarbeijo
quando exteriormente as coisas permanecem e existem, ainda que com outras tonalidades, formas e rugas, mas por vezes, o que realmente se estranha é esse pulsar que espera e espera...
ResponderEliminare será isso que não nos deixa morrer?
e afinal, o que se espera?...
beijinho, Laura!
Sangue, por incrível que pareça, a gente também pega emprestado! :)
ResponderEliminarAprecio monólogos.
ResponderEliminarLembrei-me de minha filha que fez certa vez um monólogo baseado num livro de Tenesse Willians. Ela ensaiava diante do espelho. E eu como mãe coruja, maravilhei-me. Outro dia
quis esse ensaio, mas ela não sabe onde o guardou.
Estou me deliciando com cada página do seu blog.
bjs.