«Escrever não é agradável. É um trabalho duro e sofre-se muito. Por momentos, sentimo-nos incapazes: a sensação de fracasso é enorme e isso significa que não há sentimento de satisfação ou de triunfo. Porém, o problema é pior se não escrever: sinto-me perdido. Se não escrever, sinto que a minha vida carece de sentido.»
de Paul Auster
"Saber que será má uma obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. […] O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou não me basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida."
de Bernardo Soares

terça-feira, 31 de maio de 2011

Manifesto CXXIV

A certeza




talvez o oceano se cale abrupto sobre as rochas
talvez o amanhã seja uma nuvem que vem acariciar os olhos
talvez hoje dispa este corpo gasto cobrindo o esqueleto
talvez a tua voz navegue pelo tempo para me sussurrar as palavras esquecidas, as palavras amargas
talvez o tempo seja o tempo que se passa guardado num segundo
e talvez esse tempo corra a eternidade

talvez o mundo termine amanha na palma da minha mão
talvez jorre sangue do interior da terra e ela fale até não mais se calar
talvez ouça o silêncio que guardas no teu peito
talvez os braços existiam para correr entre folhas, folhas e mais folhas alvas envelhecidas pelos dias que se demoram
talvez a vida seja um pedaço de algodão a voar no asfalto
e talvez esse voo dure o tempo de todo o tempo

talvez a saudade possa ser guardada em cofres fortes, esquecida, divina

talvez amanhã se esvazie o copo sobre a toalha que cobre a mesa
talvez amanhã não exista mesa, toalha, copo
talvez amanhã nada valha a pena, porque o amanhã é apenas um talvez

Fotografia de Pedro Polónio, http://club-silencio.blogspot.com/



2 comentários:

  1. admirável a ironia presente no anacronismo que fixas entre o título e a estrutura anafórica em que desfias todo o texto.
    michael nyman é uma categoria à parte, verdade?
    abraço, laurita!

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  2. Incrível. Bem disse o Jorge. Certeza só há de que não há certezas, para o desespero das iludidas sentinelas da verdade, para quem seria delicioso banir qualquer condicionalidade do idioma. Mas está esse 'talvez' subentendido na própria poesia. Ela existiria se houvesse uma única certeza? Só na cidade de Platão.

    Beijo.

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