«Escrever não é agradável. É um trabalho duro e sofre-se muito. Por momentos, sentimo-nos incapazes: a sensação de fracasso é enorme e isso significa que não há sentimento de satisfação ou de triunfo. Porém, o problema é pior se não escrever: sinto-me perdido. Se não escrever, sinto que a minha vida carece de sentido.»
de Paul Auster
"Saber que será má uma obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. […] O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou não me basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida."
de Bernardo Soares

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

notas para duelo perdido

I
engorda o rebanho
deglutindo
o pasto viciado

II
descubro hoje
que a minha roupa negra
já não me serve

III
avança a cerca
o gado em fúria
ameaçado pelo cão embalsamado

IV
esqueço-me de dar corda
aos dias
o despertador não para de tocar no bolso

V
afia a faca
mostra o dente
o falso pastor

VI
a face do culpado
de mãos ensanguentadas
é o meu próprio rosto

VII
do cimo da montanha
o brilhante salvador
o livro sagrado na marca:

VIII
eu te
perdoo
os outros não

7 comentários:

  1. Já gosto do poder da síntese....

    Beijo, Laura*

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  2. as palavras a aconchegar o tambor, à espera da hora em que os dias adormeçam no colo do tempo, enquanto a contagem decrescente acelera os passos até à onomatopeia final: eu te perdoo; os outros... talvez não.

    beijo, laura!

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  3. Laurinha,
    nas entrelinhas um lindo espaço de eu, dos outros, e de si mesmo.
    Lindos fragmentos!

    Beijão com saudades de ti!

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  4. O não perdão é o fim de toda a vida. Morte e ignorância. Mas se eu te perdoo é quanto basta, sobretudo o eu a si mesmo.

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