«Escrever não é agradável. É um trabalho duro e sofre-se muito. Por momentos, sentimo-nos incapazes: a sensação de fracasso é enorme e isso significa que não há sentimento de satisfação ou de triunfo. Porém, o problema é pior se não escrever: sinto-me perdido. Se não escrever, sinto que a minha vida carece de sentido.»
de Paul Auster
"Saber que será má uma obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. […] O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou não me basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida."
de Bernardo Soares

domingo, 21 de outubro de 2012

notas para a desconhecida em mim

I
já não sei onde me levam
estes passos perdidos
por entre a cidade que me esquece, lentamente

II 
fecho os olhos
perante o meu reflexo
nas montras sujas

III
se me encontrar
se me vir
nem sei se me reconheço

IV
o ar frio invade
a pele
aloja-se na carne

V
já houve sangue
nestas veias
vida neste peito

VI
caminho
sem destino
ao meu encontro

VII
repousa na mesa
o veneno
a lâmina afiada

 

15 comentários:

  1. Ah, realmente, a cidade é sem piedade. Embora tudo, de certa forma, seja-nos espelho, quase nunca o reflexo é apetecível.

    Abraços!

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  2. Laura, tenho caminhado tanto em busca não de uma, mas de tantas desconhecidas em mim. Seu poema tem a marca dos que mergulham profundamente. E encontrá-lo hoje traz algo de destino pra mim.
    Beijos,

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  3. os pedregulhos das estradas são os mesmos do corpo e da alma.

    beijoss

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  4. tão desconhecida que antevejo o espelho, utensílio de morrer é a palavra


    beijo

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  5. Gostei das tuas notas.
    Soltas...?
    Laura, tem uma boa semana.
    Beijo.

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  6. [também dos nós do corpo

    se faz sombra,
    a palavra.]

    um imenso abraço, L.

    Leonardo B.

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  7. Passos perdidos, olhos fechados, ar frio na pele, veneno, lamina afiada...
    Teus olhos, tua alma, um beijo ao alcance dos labios.
    Vida!

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  8. repito aqui um texto feito justamente ao pensar no amontoado de "eus" que há dentro da gente:

    Boneca russa

    há silêncio
    dentro
    da palavra
    dentro
    do silêncio
    da palavra
    dentro

    (Joelma B.)

    Beijo, querida amiga poeta!!

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  9. - dizem que a existência nos mata aos poucos, mas penso o contrário.
    acredito que o tempo cuida de interpretar as feridas daquele que se desconhece.
    para a vida só há um caminho: seguir em frente.

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  10. Laura,
    Gosto muito da tua poesia, embora sinta alguma dificuldade em comentá-la. Nela sinto arrepios, trejeitos, gritos, anseios..., tudo isso em decrépito pulsar urbano. Adivinham-se vontades noutro respirar. E eu gosto sempre muito de te ler.

    Beijo :)

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  11. É desconcertante o poder que tens de me emocionar.
    Cada palavra um arrepio, cada sílaba um grito que ecoa dentro de mim.
    ( Tenho pena de não conseguir escrever assim...)
    Beijo com admiração

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  12. É bom não conhecer tudo dentro de si mesmo.

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  13. trôpegos caminhamos melhor
    ...

    Que poema!


    beijo carinhoso...

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  14. Será que todos nós vamos nos reconhecer?
    Nem quero saber do caminho do meu próprio encontro.

    Um estrondo
    Bjs.

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