«Escrever não é agradável. É um trabalho duro e sofre-se muito. Por momentos, sentimo-nos incapazes: a sensação de fracasso é enorme e isso significa que não há sentimento de satisfação ou de triunfo. Porém, o problema é pior se não escrever: sinto-me perdido. Se não escrever, sinto que a minha vida carece de sentido.»
de Paul Auster
"Saber que será má uma obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. […] O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou não me basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida."
de Bernardo Soares

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Manifesto CXXXIX


Post-Scriptum

as estantes ladeiam as paredes
do centro olho-as bem altas
livros e mais livros, papeis, documentos presos por fios
recordações de tempos distantes
fotografias de lugares esbatidos na memória

passo-lhe a mão
tento decidir um lugar para o abandonar:
bem lá no alto, longe do meu olhar
[não, não pode ser estarás sempre a fitar, adivinhar os meus passos]

sinto-lhe o odor
outra tentativa de escolha:
na prateleira de baixo, junto do pó, das passadas sem destino
[não, também não pode ser, são inúmeras as vezes que tropeço]

aperto-o contra o peito, decido: atrás dos arquivos
fecho os olhos
encontro o lugar aleatoriamente
ainda com os olhos bem fechados, coloco-o num sitio recôndito
aos encontrões contra as estantes e cadeiras
consigo encontrar a saída do pequeno escritório

[se bem que quando a noite chegar
ainda vou ouvir o seu abafado lamento

Jacques Brel-Ne me quitte pas

6 comentários:

  1. Laurinha,
    lindo, lindo poema!

    Extremamente bem escolhida a "Ne me quitte pas", do belga Jacques Romain Georges Brel, se não fosse ele um próprio Post-Scriptum, eu diria que essa música representa tudo isso, um pós que faz eco, eco, eco...

    Beijos e ótima semana!

    PS.: Não sei se conheces o trabalho dele como ator, tenho um apreço especial por seu último filme,L'Emmerdeur (de 1972 ou 73, não me recordo).

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  2. Ops!
    Deu um probleminha no vídeo, não estou conseguindo acessá-lo, dá uma olhadinha.

    Beijos

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  3. doo minha pele às inflições de tua voz sem fuga... mas o tempo é sovina e me cala tantas vezes...

    Beijinho carinhoso, amiga poeta do além mar!

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  4. Laurinha,
    obrigada pelo presente, como pensei... acabei chorando!

    Deixo-te um link da apresentação do filme que te falei, ele contracena com Lino Ventura, que é o protagonista (e olha que contracenar com o Lino não é para qualquer um), mas o Jacques é extremamente verdadeiro! Incrível! O filme é mesmo de 1973, mas parece que existe uma refilmagem. Beijinhos!

    Link:
    http://www.youtube.com/watch?v=__9BlICPhwY&feature=related

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  5. Laura,
    o 'ne me quite pas' saiu de mansinho e trás dos arquivos para te alimentar a emmória.
    beijo
    ___________
    gosot muito do brel...

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  6. Laura, desculpa-me fugir um pouco ao post, mas fixei-me na frase de Paul Auster...acho que ele disse tudo!

    sempre tão bom vir aqui
    obrigada!
    grande beijinho

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