«Escrever não é agradável. É um trabalho duro e sofre-se muito. Por momentos, sentimo-nos incapazes: a sensação de fracasso é enorme e isso significa que não há sentimento de satisfação ou de triunfo. Porém, o problema é pior se não escrever: sinto-me perdido. Se não escrever, sinto que a minha vida carece de sentido.»
de Paul Auster
"Saber que será má uma obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. […] O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou não me basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida."
de Bernardo Soares

terça-feira, 21 de junho de 2011

Manifesto CXXIX

crónica de uma idade anunciada

I
quando acordo, mesmo de olhos fechados
há verdades que dormitam à espreita, não é preciso despertá-las
pois flutuam entre os dias e as noites

abro os olhos: o céu ainda é azul, as flores nascem da terra
e os tordos, os pássaros, as andorinhas, os pardais ainda sabem voar

não me atraso, outras vezes atraso-me
as ruas e as casas que as ladeiam permanecem
desenham duas linhas, duas margens nas quais navego

os mesmos rostos fechados
as mesmas mão paradas
os mesmos pés assentes em terra seca
o mesmo velho chapéu abrigando do sol, da chuva
o mesmo minuto gelado, imóvel, arrumado na alta estante

II
o tempo, esse maldito, atraiçoa a memória
esfuma os contornos do teu rosto
dilui as curvas do teu peito, das tuas pernas
e as tuas mãos sublimam em pensamentos distantes

III
a tua fotografia, assim pousada
a surpresa de a encontrar, de a reencontrar
adivinha a certeza de te esquecer


David Lynch Directing Charlotte Stewart Through a Window on the Set of Eraserhead

5 comentários:

  1. chegamos a ela ou ela nos chega,


    beijo

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  2. «há verdades que dormitam à espreita, não é preciso despertá-las»
    Oh... Se há... Verdades à espreita e pessoas que julgamos esquecer, ou queremos, mesmo não querendo... ;) E não esquecemos!
    Beijos, Laura!

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  3. Li como a tesoura que picota o retrato.

    Belíssimo!

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  4. Vim reler o poema, uma vez mais, Laura!

    «o tempo, esse maldito, atraiçoa a memória
    esfuma os contornos do teu rosto»

    Não, Laura. Há coisas, pessoas, momentos, que o tempo nunca levará, por muito que, por vezes, fosse melhor.

    ... E continuo a adorar o poema! ;)
    Beijos e bom domingo!

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  5. Assis, Cristina e Lara:
    vou responder aos três, simultanemante, obrigada pelas vossas palavras, que ela venha, quando vier!
    Beijinhos aos três!

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