não,
não fui eu que enlouqueci
não
estou louca quando me rio com todos os dentes que tenho
não
estou doida quando falo com toda a voz que as minhas cordas vocais me permitem
não
estou perdida quando abraço o vento e deito a cabeça para trás para beber a
chuva
e
não fui eu que enlouqueci, foste tu
sabes,
aqui o tempo não para:
acertam-se
os relógios, pelo menos duas vezes ao ano
mudam-se
as folhas do calendário da mesma forma que se pagam as contas
marca-se
o cartão, escreve-se o sumário,
entregam-se
folhinhas e folhinhas, autorizações e pedidos
e
tudo é para ontem e ninguém quer saber
sabes,
aqui todos fazem de conta:
que
são os melhores, os perfeitos
nas
suas romarias exibindo os sorrisos programados,
aqueles
que no final, com cinco cêntimos do bolso
vão
apresentar a folha limpa
e
sabes, não fui eu que enlouqueci
foram
os outros:
que
têm olhos e não sabem ver
que
têm ouvidos e não sabem ouvir
que
têm boca e só sabem falar
e
sabes,
ensinaram-me
a ler, as palavras e o seu significado
eu
sei dançar e também sei cantar
sei
desenhar o mundo com o meu dedo indicador
sei
os passos a dar sem olhar o mapa
não
fui eu que enlouqueci:
e
este lugar torna-se insuportável, agora que sei que não fui eu, não fui eu
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