«Escrever não é agradável. É um trabalho duro e sofre-se muito. Por momentos, sentimo-nos incapazes: a sensação de fracasso é enorme e isso significa que não há sentimento de satisfação ou de triunfo. Porém, o problema é pior se não escrever: sinto-me perdido. Se não escrever, sinto que a minha vida carece de sentido.»
de Paul Auster
"Saber que será má uma obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. […] O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou não me basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida."
de Bernardo Soares

quarta-feira, 3 de março de 2021


Porto

a minha cidade de sempre:
o Porto é como um velho amante que se ama cada vez mais
mas já não se deseja, que finge dormir quando chega a noite

é uma espécie de manta de retalhos, muito mal costurada:
misturam-se casas degradadas, onde habitam fantasmas
com casas novas e perfeitas, onde se exibem cartazes de agentes imobiliários
aguçando os novos ricos para uma compra sem pensar
com casas repletas de engenheiros, mestres de obras e trolhas com poucos trocados no bolso e uma cerveja na mão

é um mapa:
onde marcamos a nossa adolescência
pelos cafés, ruas, becos e vielas
onde nos amamos, entre bancos de jardim e passeios mal lavados
e que se tornou numa tela em constante construção

é uma dor que se traz no peito
ora dói, ora não dói
num passado que não volta e um presente que não existe

ruas e ruas
repletas de ninguém
onde se contam os que passam sem ver as ruas
os que cantam esquecidos nas ruas escuras
os que pedem uma moedinha a quem não passa

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