«Escrever não é agradável. É um trabalho duro e sofre-se muito. Por momentos, sentimo-nos incapazes: a sensação de fracasso é enorme e isso significa que não há sentimento de satisfação ou de triunfo. Porém, o problema é pior se não escrever: sinto-me perdido. Se não escrever, sinto que a minha vida carece de sentido.»
de Paul Auster
"Saber que será má uma obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. […] O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou não me basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida."
de Bernardo Soares

sábado, 2 de janeiro de 2021

azevim da D. Ana Maria

na casa da Ana Maria, ainda as suas filhas eram gaiatas, nasceu um azevim destemido. e lá foi crescendo no reduzido quintal, porque este não servia para nada. as miúdas corriam livres pelas ruas de Pitões das Júnias e as tronchudas e as batatas cresciam num quinhão de terra á entrada, que também é saída da aldeia.
o azevim cresceu, as miúdas tornaram se mulheres e a Ana Maria curvou com o peso da dureza da vida e dos anos.
no Natal os seus ramos serviam para os tradicionais arranjos e durante o ano servia para ocupar o seu lugar.
na casa da Ana Maria, primeiro faltou o marido, uma geada que lhe deu levou-o em duas semanas. depois Braga roubou-lhe as filhas, deu-lhe netos e netas, que também foram roubados por outras cidades, outros países.
em Braga tinha um quarto com o seu nome, nunca lá colocou o pé, Se me tirares daqui, morro.
Ana Maria morreu sentada nas escadas a admirar finalmente o azevim. ficou a casa, ficou a árvore, algumas pedras cederam, mas a casa mantém-se.
também a Ana Maria continua, sentada confortavelmente nas escadas, a contemplar o azevim coberto de neve.

Pitões das Júnias

Sem comentários:

Enviar um comentário