«Escrever não é agradável. É um trabalho duro e sofre-se muito. Por momentos, sentimo-nos incapazes: a sensação de fracasso é enorme e isso significa que não há sentimento de satisfação ou de triunfo. Porém, o problema é pior se não escrever: sinto-me perdido. Se não escrever, sinto que a minha vida carece de sentido.»
de Paul Auster
"Saber que será má uma obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. […] O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou não me basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida."
de Bernardo Soares

quarta-feira, 21 de junho de 2017

I
tirei estas asas etéreas que me dobram o corpo
abandonei-as no chão do teu quarto, esperando
que lhes cuspisses
que as pisasses
que as queimasses
sinto-me um nada, aqui abandonada no teu quarto
prostrada nos teus lençóis
nua para ti, nua de mim
sei que os dias se seguem, assim como as noites
nada importa, já nada importa
algo me diz que ainda me resta tempo, ainda resto eu

se aqui me sinto morta
na tua carne, na tua respiração ofegante
sinto-me renascer
rasguem-se as entranhas, faça-se correr o sangue
grite-se aos quatro cantos, a dor e o desejo

aqui me tens, tua: viva e morta

Fotografia de Laura Alberto

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