«Escrever não é agradável. É um trabalho duro e sofre-se muito. Por momentos, sentimo-nos incapazes: a sensação de fracasso é enorme e isso significa que não há sentimento de satisfação ou de triunfo. Porém, o problema é pior se não escrever: sinto-me perdido. Se não escrever, sinto que a minha vida carece de sentido.»
de Paul Auster
"Saber que será má uma obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. […] O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou não me basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida."
de Bernardo Soares

terça-feira, 5 de março de 2013

Polaroid 55


Estrada nacional 105

alguém lhe tirou as medidas
altura, largura
ombros, pés
provável rosto desfeito, cicatrizes incontáveis

e naquele entroncamento
plantam-se flores de plástico
acendem-se velas todas as semanas
a recordação incessante do que se perdeu

amanhã ou depois
mando gravar o teu nome no passeio
mando apagar a borracha que marca o asfalto
amanhã ou depois: passo sem te ver

mas as flores continuam lá
as velas são substituídas
o tempo teima em não passar
pelo menos para ti

14 comentários:

  1. Instantes que são permanência, retratos que condicionam todo o porvir. Com rasto doloroso.

    Beijo :)

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  2. Em tantas estradas as flores proliferam. Em estradas demais.
    Muito bom, Raquel!
    Beijo

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  3. porque nem tudo se apaga, ainda que se rasgue o asfalto...

    saudades de te ler, e dessa sensação de ser atingida em cheio pela densidade das palavras.

    beijinhos!!

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  4. amanhã ou depois ou quem sabe num último mergulho no ar,



    beijo

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  5. Depois de tudo pesado, tudo milimetricamente calculado, restaram as entranhas, intocadas e vivas!!!

    bjim :)

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  6. Tem gente que aprisiona o relógio dentro de si.

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  7. E será que a felicidade pode ser encontrada dessa forma? Tenho minhas dúvidas. Meu abraço.

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  8. Ao ler o poema lembrei-me daqueles sítios nas estradas enfeitados com círios e flores, às vezes uma cruz, onde ocorreu um acidente e morreu alguém e depois chamam esses sítios de acidentes e dedicam-nos à alma do morto...

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  9. Os nomes ficam gravados no coração de quem fica, ainda que não no passeio...
    Excelente e intenso, como me habituaste!

    Beijo

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  10. há lugares que perduram ainda que suavizem com as linhas do tempo...

    abraço de saudades, Laura!

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  11. Laurinha,
    vim deixar um beijão de sorte e sabes por que, mesmo que demores para ler este. Estou ansiosa!
    Beijos nos dois!

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  12. Existem coisas que o tempo não desfaz...

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  13. Uma estrada personificada que apaga pessoas que por ela passam. Belo texto! Adorei.

    Bjos

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  14. Laura

    Esta polaroid é um encanto. Ainda que com rostos apagados as flores continuam lá.

    bjs.

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