«Escrever não é agradável. É um trabalho duro e sofre-se muito. Por momentos, sentimo-nos incapazes: a sensação de fracasso é enorme e isso significa que não há sentimento de satisfação ou de triunfo. Porém, o problema é pior se não escrever: sinto-me perdido. Se não escrever, sinto que a minha vida carece de sentido.»
de Paul Auster
"Saber que será má uma obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. […] O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou não me basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida."
de Bernardo Soares

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

desAlinhado XXXIV

XXXIV

entregue ao bolor que desenha nas paredes
figuras imperceptíveis
que me assaltam as horas
ouço a cidade que se estende fora dos altos muros
onde guardo o pouco que resta

os homens urinam nos cantos
entre alvenarias de casas abandonadas
procuram as putas nos becos
sossegados, empestados de dejetos de gatos
e satisfazem os seus desejos de carne

é noite, assim o diz
a luz pálida dos candeeiros
a chuva miudinha que cai sem parar
[os tolos, só os tolos se molham]
e os automóveis no seu regresso a casa

fogem os pássaros da surdez da cidade
em voos indecisos
até ao horizonte, sem meta
o ultimo cão roí um osso imundo
e tomba envenenado

o manto negro cobre a cidade
invade a janela do meu quarto, deixo
os vagabundos, as putas, os chulos, os mafiosos
ganharem o seu lugar em toda a casa
inundada com os seus odores pestilentos

nada sobrevive em mim
nada se vislumbra em mim
restam os renegados
uma côdea de pão para disfarçar
uma unha imunda
a última gota de água perdida no chão

16 comentários:

  1. Hei de ficar lendo esse poema
    por um longo tempo
    ...


    beijo carinhoso,
    Laura
    ...

    ResponderEliminar
  2. O que sobrevive em ti é essa suprema capacidade de vislumbrar os submundos que te rodeiam e transformá-los em
    poesia. Ou será anti-poesia? Perscrutar, ouvir, sentir e
    abstrair-se de tudo isso, é tarefa para poucos, muito poucos, pois o risco de contaminação é imenso.

    um beijo

    ResponderEliminar
  3. faça de conta que: aqui há uma mulher que chega pra se embriagar. ela tb faz poemas, quase sujos, quase tristes. ela puxa a cadeira e enche mais o copo. A garrafa está na mesa. no rótulo, uma descrição " quanto mais L.A melhor "
    bj grande, minha poetaça querida

    ResponderEliminar
  4. Bom dia!
    Gostei muito deste poema!


    Aproveito para simplesmente desejar-lhe
    Feliz Natal.

    Saudações poéticas!

    ResponderEliminar
  5. tantas destas cidades a apodrecer dentro de nós...

    abraço, laura!

    ResponderEliminar
  6. Te deseo unas felices fiestas llenas de alegría.
    Buen fin de semana,
    ¡Feliz Navidad!
    un abrazo.

    ResponderEliminar
  7. Poema intenso, triste, mas belo. Que a poesia possa se alinhar a esperança!

    ResponderEliminar
  8. Tudo muito triste...
    E a música, sublinhando muito bem o poema, fez-me lembrar um circo barato.
    Em qualquer caso, o teu poema é excelente e a música é soberba.
    Gostei muito deste teu post.

    Laura, querida amiga, desejo que tenhas um Feliz Natal, extensivo aos que te são mais queridos.

    Beijo.

    ResponderEliminar
  9. Um lindo poema, Laura!

    Abraço e parabéns!

    ResponderEliminar
  10. escrevi uma "carta" pra vc, mas o endereço do seu e-mail está no FB, nas nossas conversas, minha página entrou num caos absoluto, não consigo acesso pra nada, assim, não tenho como enviar o que escrevi. Se puder me mande o endereço pelo blog "Beco" ou me mande um e-mail, msm que seja vazio, apenas pra que eu possa ter como mandar.
    Espero que esteja tudo caminhando bem. Saudade!
    bj nos dois

    ResponderEliminar
  11. ah... é necessário falar aqui?!

    eu sinto tudo e tanto!

    e a música regeu-me!


    beijo, querida... belo renovar de tempo! que dezembro não deixe rastro aziago pra janeiro farejar!

    ResponderEliminar
  12. A cidade assim mete medo...
    A música chega a ser mais bela...

    ResponderEliminar
  13. Laura,
    Que 2013 envergue sempre roupagens de esperança!

    Beijo :)

    ResponderEliminar