X
guarda bem a navalha: de nada vale assassinar um morto
guarda bem o manual: de nada serve quando a cegueira é o olhar
guarda bem o lenço: aqui desconhece-se o sabor do sal
guardai bem os lençóis: foram roubados da vossa cama
(silêncio)
Fotografia de Pedro Polónio, http://www.club-silencio.blogspot.com/
«Escrever não é agradável. É um trabalho duro e sofre-se muito. Por momentos, sentimo-nos incapazes: a sensação de fracasso é enorme e isso significa que não há sentimento de satisfação ou de triunfo. Porém, o problema é pior se não escrever: sinto-me perdido. Se não escrever, sinto que a minha vida carece de sentido.»
de Paul Auster
"Saber que será má uma obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. […] O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou não me basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida."
de Bernardo Soares
quinta-feira, 29 de setembro de 2011
Crimes amorosos
"O coração é um vasto cemitério"-Heiner Muller
XL
naquele tempo comíamos os frutos das árvores, bebíamos a água dos charcos.
naquele tempo caíamos, arranhávamos os joelhos, sangrávamos e corríamos pela linha do caminho-de-ferro.
naquele tempo contávamos os números à nossa maneira, falamos as nossas palavras, gritávamos ao vento.
naquele tempo, todo o universo éramos nós.
naquele tempo comíamos os frutos das árvores, bebíamos a água dos charcos.
naquele tempo caíamos, arranhávamos os joelhos, sangrávamos e corríamos pela linha do caminho-de-ferro.
naquele tempo contávamos os números à nossa maneira, falamos as nossas palavras, gritávamos ao vento.
naquele tempo, todo o universo éramos nós.
segunda-feira, 26 de setembro de 2011
Polaroid 46
quatro mulheres vestidas de negro
quatro mulheres vestidas de negro
quatro mulheres vestidas de negro, caminham nos trilhos sinuosos da montanha, agasalham-se com seus negros xailes, espreitam entre a bruma da manhã, bebem o frio da noite e chamam os seus antepassados
quatro mulheres vestidas de negro
quatro mulheres vestidas de negro, de rostos marcados pelos dias, rugas ásperas, testemunho das horas longas, das horas frias, das longas horas frias e solitárias, arrastam-se pelo tempo que lhes resta
quatro mulheres vestidas de negro
quatro mulheres vestidas de negro, de rostos apagados, de nome que já não se ouve
carregam troncos de eucalipto, carregam galhos de árvores
quarto mulheres de negro
caminham, sem força, sem destino, sem amanhã
quatro mulheres de negro
sobrevivem em círculos fechados
Fotografia de Pedro Polónio, http://club-silencio.blogspot.com/
quatro mulheres vestidas de negro
quatro mulheres vestidas de negro, caminham nos trilhos sinuosos da montanha, agasalham-se com seus negros xailes, espreitam entre a bruma da manhã, bebem o frio da noite e chamam os seus antepassados
quatro mulheres vestidas de negro
quatro mulheres vestidas de negro, de rostos marcados pelos dias, rugas ásperas, testemunho das horas longas, das horas frias, das longas horas frias e solitárias, arrastam-se pelo tempo que lhes resta
quatro mulheres vestidas de negro
quatro mulheres vestidas de negro, de rostos apagados, de nome que já não se ouve
carregam troncos de eucalipto, carregam galhos de árvores
quarto mulheres de negro
caminham, sem força, sem destino, sem amanhã
quatro mulheres de negro
sobrevivem em círculos fechados
Fotografia de Pedro Polónio, http://club-silencio.blogspot.com/
segunda-feira, 19 de setembro de 2011
Crimes amorosos
VIII
amanheceu, uma luz pálida acaricia o teu corpo nu
ainda que a penumbra nos cerque o olhar,
adivinho a forma do teus ombros, do teu peito espalhado
sinto o odor do teu suor e deixo-me perder na tua pele fresca
amanheceu:
sinto o calor que ainda resta
entre cigarros queimados somos meros navios à deriva
nesta louca tentativa de sermos deuses
amanheceu, uma luz pálida acaricia o teu corpo nu
ainda que a penumbra nos cerque o olhar,
adivinho a forma do teus ombros, do teu peito espalhado
sinto o odor do teu suor e deixo-me perder na tua pele fresca
amanheceu:
sinto o calor que ainda resta
entre cigarros queimados somos meros navios à deriva
nesta louca tentativa de sermos deuses
quarta-feira, 14 de setembro de 2011
"O coração é um vasto cemitério" Heiner Muller
XXXIX
fechar os olhos. abrir os braços. sentir o vento na pele, o vento que hoje finalmente dorme.
rodar, rodar, rodar.
sentir o chão que foge. entrar no solo que se abre violentamente sobre os pés.
rodar, rodar, rodar, rodar.
amanhã, esquecemos o nome de quem coloca o alimento sobre a mesa.
amanhã, esquecemos a mão que embalou o berço.
amanhã nascemos, se amanhã houver amanhã.
Beirut @ Glastonbury-Carousels
fechar os olhos. abrir os braços. sentir o vento na pele, o vento que hoje finalmente dorme.
rodar, rodar, rodar.
sentir o chão que foge. entrar no solo que se abre violentamente sobre os pés.
rodar, rodar, rodar, rodar.
amanhã, esquecemos o nome de quem coloca o alimento sobre a mesa.
amanhã, esquecemos a mão que embalou o berço.
amanhã nascemos, se amanhã houver amanhã.
Beirut @ Glastonbury-Carousels
Polaroid 45
Fotografias
observam-me do outro lado do quarto, na outra parede
sempre oposta, sempre presente, a outra parede
rostos parados no tempo, numa qualquer folha que poderia ter sido outra ou outra
marcam o tempo que vai correndo, escorrendo lento pelos dias que sobejam
testemunham o vento que não pára e todo o ar encarcerado em fitas de pó
podiam ter sido um rio, podiam ter sido um oceano
e são apenas pedaços
pedaços de um passado escrito
pedaços de um instante esquecido
estranhas, miram na esguelha do olho
assombram na penumbra da noite quando o silêncio sussurra o fim anunciado
e são apenas fotografias, à deriva
observam-me do outro lado do quarto, na outra parede
sempre oposta, sempre presente, a outra parede
rostos parados no tempo, numa qualquer folha que poderia ter sido outra ou outra
marcam o tempo que vai correndo, escorrendo lento pelos dias que sobejam
testemunham o vento que não pára e todo o ar encarcerado em fitas de pó
podiam ter sido um rio, podiam ter sido um oceano
e são apenas pedaços
pedaços de um passado escrito
pedaços de um instante esquecido
estranhas, miram na esguelha do olho
assombram na penumbra da noite quando o silêncio sussurra o fim anunciado
e são apenas fotografias, à deriva
segunda-feira, 12 de setembro de 2011
Crimes amorosos
VII
se colocar o pé no soalho descubro que estou descalça:
não te quero acordar para ver um corpo que não me pertence
deixo que a escuridão tape os nossos rostos assim
os beijos sentem-se frios entre os corredores da memória
se colocar o pé no soalho descubro que estou descalça:
não te quero acordar para ver um corpo que não me pertence
deixo que a escuridão tape os nossos rostos assim
os beijos sentem-se frios entre os corredores da memória
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