«Escrever não é agradável. É um trabalho duro e sofre-se muito. Por momentos, sentimo-nos incapazes: a sensação de fracasso é enorme e isso significa que não há sentimento de satisfação ou de triunfo. Porém, o problema é pior se não escrever: sinto-me perdido. Se não escrever, sinto que a minha vida carece de sentido.»
de Paul Auster
"Saber que será má uma obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. […] O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou não me basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida."
de Bernardo Soares

quarta-feira, 31 de março de 2010

Pecado

Para quê as palavras?
Para quê falar?
Sou o musgo que cobre o teu peito,
O algodão que guarda o teu cheiro.

terça-feira, 30 de março de 2010

Lura

Param as árvores,
O seu inútil crescer.
Esventrando os céus,
No teu rouco amanhecer.

Imóvel a atmosfera opaca,
Perante a espiral,
Apertando o peito
Da carícia fugitiva.

São inúteis.
Todas essas letras que se juntam,
Numa só.
Formando o nome de ninguém,
Algures.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Parar

Não me peças silêncio,
Enquanto mergulho na tua voz rouca.
Não exijas o repouso,
Quando saio em busca do teu toque.
Não digas que não fui,
Enquanto escapo para o que fomos.

domingo, 28 de março de 2010

Marmita

Com essa unha imunda,
Raspas os restos secos,
Das negras vísceras,
Com quem brincas às escondidas.

sábado, 27 de março de 2010

Infantaria

Restam:
As armas,
Descansando no chão;
As balas,
Perdidas
No nosso cadáver.

As bandeiras,
Desfraldadas,
Diluindo-se no dia;
Os clarins,
Enrouquecendo
No silêncio mútuo.

Ficam os campos
Povoados da tua ausência.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Eis a questão!

Querer e não querer.
Tentar e não tentar.
Prosseguir e não prosseguir.
Fugir e não fugir.
Enfrentar e não enfrentar.
Cair e não cair.
Desejar e não desejar.
Ter e não ter.

Amar e não amar.
Ser ou não ser?

quarta-feira, 24 de março de 2010

In the flesh

Tocas-me.
Ignoro.
Não é a altura.

Toque.
Estremeço.
Contrariada.

Percorres o meu corpo,
Desejo dissimulado,
De um forte querer.

Toca-me.
Toco-te.

terça-feira, 23 de março de 2010

Verbo cru

Eu sinto.
Tu partes.
Ele finge.
Nós perdemos.
Vós sois.
Eles desistem.

Eu desejo.
Tu disfarças.
Ele cai.
Nós perdemos.
Vós comentais.
Eles ignoram.

Fotografia de Laura Alberto
O meu amigo Jorge Pimenta, do blogue http://viagensdeluzesombra.blogspot.com/, lançou-me o seguinte desafio:

4 lugares onde comprar:
mercado do bolhão
feira de S. Mamede
alfarrabistas por onde passo
vendedores ambulantes

4 cheiros:
a mar
a terra (seca ou depois de ter caído uma verdadeira chuvada)
a vazio
essência de terbetina

4 coisas que me fazem sorrir:
aqueles que amo
o vento
a vida
os meus alunos


4 blogues a desafiar
http://club-silencio.blogspot.com/
http://poetrymustbeontv.blogspot.com/
http://osnascimentosdaspalavras.blogspot.com/
http://versosdecor.blogspot.com/

segunda-feira, 22 de março de 2010

Pareceu-me avistar,
Envolto em rolos de fumo cinzento,
O cavaleiro no seu cavalo alado.

Nada mais era que uma onda.
Redonda.
Na fermentação do horizonte.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Vão

Hoje acordei,
Com vontade de encontrar.
Espreitei no peito,
Para vislumbrar que restava apenas um,
Um vazio silencioso.
Gritei para o seu interior,
Nem o eco me respondeu,
Apenas uma imagem ténue de outrora.

Hoje acordei,
Com desejo de perceber.
Se o som que se propagava,
Era o do meu desvanecer,
Ou o do meu renascer.
Abri as narinas,
Para que o teu odor aparecesse,
Descobrindo o sabor a nada.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Quantas?
Quantas mais vão ter que se revolver.
Precipitando-se no abismo do peito.
Aquecidas no calor do desejo.
Quantas?
Se já não resta nada.


Fotografia de Laura Alberto

InsóniA

Perguntas-me se vai doer.
(Não sei…)
Olho o céu imóvel.
Caem as nuvens.
Desfazendo-se em pó.
(Não, não sei…)
Movem-se as estrelas.
Apaga-se o sol.
Morrem os sonhos na língua do desejo.
(Não…)
Inalo a verdade.
Em gotículas de sangue envelhecido.
Move-se o céu que descubro.

Pergunta-me agora se vai doer.
( )

quarta-feira, 17 de março de 2010

Existe


Guarda o boligrafo.
Não é a altura.
De pintar.
O cavaleiro.
Fugindo no seu cavalo.

Nudez

No fim de tudo.

Deixas um odor bafiento,
No âmago de um coração.
Um tapete de musgo,
Cobrindo os ossos.
Os dentes que estalam,
Murmurando um vazio.

No fim de todos.


Fotografia de Laura Alberto

terça-feira, 16 de março de 2010

Medo.
Temo-lo no frio dos dias.
Chega de mansinho como uma névoa.
Desmorona os sonhos em castelo.
Medo.
Temo-lo na insónia das noites,
Entra de rompante pela porta do ser,
Corroendo o desejo de metal.
Medo. Só.
E o outro?


Fotografia de Pedro Polónio, http://club-silencio.blogspot.com/

Penso, logo não existo!

As vezes penso que a vida poderia ser mais fácil.
Sim.
Deitar. Dormir. Acordar. O barulho do despertador, seguido de um dia igual.
Sim, tenho que quase a certeza que isto seria uma vida sem complicações. Tomar banho, comer e sair.
Encontrar os amigos num emprego perfeito, numa mesa de café.
Ter tempo para tudo fazer e nada pensar.
As vezes penso que a vida poderia ser mais fácil. Depois acordo.


Fotografia Laura Alberto
I
Caíram todas as letras,
Sem que nenhuma escrevesse,
O teu nome na areia.

E tu bem sabes porquê.

II
Falaram todas as vozes,
Sem que nenhuma pronunciasse,
O teu nome na multidão.

E tu bem sabes porquê.

III
Ressequidos ficaram os braços,
Sem força para abraçar,
O teu beijo deserto.

E nós sabemos bem porquê.


Fotografia de Laura Alberto

domingo, 14 de março de 2010

Volto já

Tenho de fronte,
A alva parede,
Virgem no sonho.
Todas as cores do Universo,
Em repouso
Aos meus pés.
Murmura o desejo,
Barulhento
Ante o meu ouvido.

E eu tenho as mãos,
As mãos afundadas nos bolsos.

Futuro?

Guarda o sonho num bolso.
Um dia vou pedir que mo atires.
Esconde o sorriso na boca.
Para que o soltes no momento perdido.
Encerra a voz no peito,
Chegará em breve, o tempo de calar o silêncio.
Cruza os braços sobre ti,
Um segundo terás que abraçar.

Blah!

Vivam todos os embasbacados,
De boca bem aberta,
Fronte aos dias que correm, iguais.
Pasmem-se os seus semelhantes,
Acenando com um futuro,
Que nada mais é que um presente corroído.

Eu digo, não!

quinta-feira, 11 de março de 2010

Bizarrias?

I

Entre um pensar e o pensar,
Desembainha o aço fatal,
E crava-o na espinal do Universo.

II

Entre um sentir e o sentir,
Profere a sentença douta,
E encerra o começo.

III

Entre um gesto e o gesto,
Rodeia o pescoço frágil
E sepulta o fim.

terça-feira, 9 de março de 2010

É assim.

Não será esse teu corpo
Lívido sobre areia molhada
Que merecerá as vagas salgadas.

Nem a suplica desse teu tormento
Planará num alto céu
Saboreando os ventos sapientes.

Não afagarei mais esse odor
Displicente, desprendendo-se
Desse teu jeito de não ser.


René Magritte

segunda-feira, 8 de março de 2010

Éter

Bom dia.
Sou o estranho ser,
Oriundo do tempo.
Guardado em segredo,
Nas mentes dos progenitores.

Boa tarde.
Visto o musgo de uma só lágrima,
Gritando entre os vales.
Uma coifa de abetos entrelaçados,
Emudecendo uma tímida voz.

Boa noite.
Até ao sono no sonho,
E aos rios que correm, vagarosos.

domingo, 7 de março de 2010

Tela

Partem.
E ficam.
Imóveis.
Fugidios.
Cegos.
(E realidade.)
Disfarçar.
Desesperando.

Voltam.
E não chegam.
Correm,
Da saudade.
Vislumbram,
Sonho.
Fingem
(Não) Amar.

Movimento Perpétuo

Fiquei dilacerada,
Antes.
Observando o dia,
Jocoso.
Na morgue asséptica,
Esmagadora.

Recolho os restos,
Hoje.
Construo o jogo,
Impossível.
Numa mente,
Imaginária.

Velo o sonho,
Continuamente.
Caio no solo,
Amanhã.

Frio

Prometeu traria o fogo,
Aos humanos desconfiados,
Seria suficiente para os destruir,
Inútil para os aquecer.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Existem,
Emaranhados entre ramos,
Das vastas florestas,
Os muros de betão,
Construídos por Deus
Destruídos pelo Homem.
Mostra-me os despojos,
Do amor estuprado,
Nas horas perdidas,
Dos dias sem calendário.

Deixa-me procurar,
Esses estranhos pedaços caídos,
Nas ruas sem nome,
Da distante Babilónia.

Mata-me lentamente,
Ou mata-te rapidamente.

terça-feira, 2 de março de 2010

Deixei-me cair,
Nessa teia urdida de mel,
Aprendendo a longa espera,
Do beijo perdido.
(De fel).

Permaneci no silêncio
Da toca vazia,
Iludindo o toque,
Com sabor de carícia.
(Que corta).

(Fiquei.).
(Imóvel.).
(Só.).
Amo.
(Ou não.).

Verme

Levanta-te.
Pequena criatura,
De pés disformes assentes no solo.
Apoia tua imagem,
Nas pernas bambas,
Ausentes de músculo.

Corre nesse rio,
De vastidão limitada,
Entre margens de pânico.
Foge dessa multidão,
Assomando em pranto
Na soleira da tua porta.

Mata o bicho.

Aviso

Que se dane,
Esse minúsculo universo.
Cromado.
Metricamente descansando,
Num pechiché de luxo.

Que se cale,
A voz metálica do saber.
Asséptica.
Conspurcando os dias,
Cerrados em horas.

Que se dane.
Que se danem.


Aviso: O presente texto foi colocado à leitura daqueles que, num dia, o perceberam.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Rua Passos Manuel

I
Parece que só chove,
Nesta abatida cidade.
E eu que me esqueci
De dar corda às flores.

II
Adivinho o que encontrar,
No fim da íngreme subida.
E eu que perdi
A âncora das nuvens.

III
Finto os homens robot,
Iludindo a esperança.
E eu que nunca tive
A chave do Universo.