«Escrever não é agradável. É um trabalho duro e sofre-se muito. Por momentos, sentimo-nos incapazes: a sensação de fracasso é enorme e isso significa que não há sentimento de satisfação ou de triunfo. Porém, o problema é pior se não escrever: sinto-me perdido. Se não escrever, sinto que a minha vida carece de sentido.»
de Paul Auster
"Saber que será má uma obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. […] O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou não me basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida."
de Bernardo Soares

segunda-feira, 29 de julho de 2013

XXXVI

[dialogo do guerreiro]

existe uma madrugada fria
logo a seguir às noites em desalinho
é quando o sol, ainda que tímido, ainda que pálido
nos beija o rosto

abre os olhos
liberta os demónios
descansa o corpo cansado

um dia vamos de mão dada
alimentar os leões, sem medo no peito

um dia, um dia talvez
a tua mão conseguirá cobrir a minha
e nessa altura já posso cerrar as pálpebras

acorda, o dia despertou
a madrugada chega para ti

[terminam aqui os desAlinhados, este último desAlinhado é teu, Afonso, minha madrugada]


terça-feira, 9 de julho de 2013

esventrado XXX

[golden star]

a chávena inerte sobre a mesa
o café que arrefece, fumo em espirais aleatórias
com dedos nervosos percorro o tampo de vidro
impressões digitais esborratadas
misturadas com outras de desconhecidos

já nem os estudantes aqui param
e os velhos contam os últimos trocados
que irão trocar por pão
ensaio umas letras, a medo
num papel que trago esquecido no bolso

à saída deixo-o ficar amarrotado
no caixote do lixo imundo

tão depressa me erguem uma estátua
tão depressa me abrem um túmulo

Fotografia de Man Ray, Anatomies